“Cura, revolução e esperança”, três palavras absolutamente proibidas quando o tema é Saúde ou Ciência, ensinou-me o jornalista e professor António Granado, que tive a sorte de ter como mentor. Uma lição pouco respeitada por aí, como facilmente se comprova. Quantas vezes já não foi anunciada a cura do cancro, um medicamento revolucionário e a esperança de eliminar grandes males? Faço aqui o mea culpa e admito que talvez uma meia dúzia de vezes, em 20 anos de jornalismo, também eu acabei por safar um título com uma destas muletas infalíveis – apesar de na consciência me pesar a voz do Granado.
Mas como todos as regras, esta também tem as suas exceções. Foi uma revolução o que Einstein fez à Física, o que Watson e Crick provocaram com a publicação, numa simples folha A4, do artigo científico em que descreveram a estrutura em dupla hélice da molécula de ADN, e é bem possível que o sistema de Inteligência Artificial da Google, Deep Learning, venha a provocar uma verdadeira ‘revolução’ na forma como se estudam as proteínas, produzem medicamentos e curam doenças.
Segundo o dogma da Biologia, a coisa acontece assim: molécula de ADN, ou DNA, ARN, ou RNA, proteína. Uma cadeia da vida, seguida pelos mais simples organismos até aos mais complexos. Com a descodificação do genoma, uma empreitada monumental que juntou entidades públicas e privadas, abriram-se portas gigantescas para a compreensão de doenças genéticas, fizeram-se estudos populacionais sem precedentes, desenvolveram-se medicamentos muito eficazes na correção de mutações. ADN tornou-se numa palavra de uso comum.
Do RNAm sabia-se pouco, até que cientistas como Craig Mello, o prémio Nobel de origem açoriana, e outros começaram a perceber que este papel de mero executante do ‘mestre’ ADN não correspondia à realidade do que se passava nas células. Hoje o RNA anda nas bocas do mundo, tudo por conta de uma vacina que nos há de salvar a todos e libertar de máscaras e outros constrangimentos. Falta a proteína. Produzir proteínas é o fim, o objetivo, desta cadeia. Tudo aquilo que importa verdadeiramente nos seres vivos está relacionado com proteínas. São elas as enzimas que controlam a digestão, os níveis de açúcar no sangue, os blocos com que se ‘monta’ um corpo, os catalisadores das infinitas reações químicas que ocorrem a cada momento dentro de cada um de nós. Há já algum tempo que se sabe disso. E vários grupos de investigadores têm-se dedicado a estudar a síntese de proteínas, que se formam pela junção de 22 aminoácidos. E o que já se percebeu foi que não só a quantidade e o tipo de aminoácidos determinam a sua função, mas também a forma como estes estão organizados no espaço tridimensional. Só conhecendo a estrutura 3D da proteína é possível antecipar a sua função.
Até agora, o estudo de uma única proteína, feito por métodos microscópicos complexos e muito caros, podia tardar mais de um ano. O que o algoritmo da Google consegue fazer em apenas alguns minutos e com uma elevada fiabilidade, tornou-se público no início do mês. Se isto não é uma revolução, oh Granado!