Se tivermos de identificar o paradigma tecnológico com mais potencial de transformar o mundo tal como o conhecemos hoje, influenciando todas as áreas de atividade humana, este paradigma é a inteligência artificial (IA). Poucas tecnologias na história tiveram um impacto tão sistémico quanto o potencial da IA. Em particular, as tecnologias de machine learning (ML) têm sofrido importantes evoluções. A sua disseminação nas tecnologias digitais de consumo está já consolidada, contudo, o seu potencial para transformar os transportes, a saúde, a agricultura e a indústria é tão impressionante quanto inquietante. Os serviços inteligentes que proliferam na nossa existência digital são tão bem-sucedidos porque nos entregam o que pretendemos quando estamos disponíveis para o aceitar. Somos motivados a utilizar estes serviços devido à conveniência que nos trazem e influenciados pelas tendências tecnológicas reforçadas pela crescente economia de ecossistemas e marketplaces. No entanto qual poderá ser a motivação para a exploração deste poderoso paradigma tecnológico em sistemas industriais?
Tornar os sistemas produtivos mais adaptáveis às incertezas com o mínimo de disrupção e desperdício. Do ponto de vista industrial, tecnologias de machine learning traduzem-se em sistemas de previsão que permitem antecipar cenários e formular hipóteses com aceitável grau de confiança. Tais tecnologias veem o seu máximo potencial explorado quando aplicadas em sistemas ciberfísicos, também conhecidos com Digital Twins, que criam modelos do sistema produtivo e mapeiam digitalmente atributos de objetos reais, prevendo falhas inesperadas de equipamentos, identificando ineficiências e sugerindo otimizações nas cadeias de valor. Como consequência, os sistemas produtivos passarão a ser orquestrados digitalmente, contrastando com os métodos tradicionais, geralmente empíricos e heurísticos. No entanto, a adoção alargada deste novo paradigma tecnológico pelas indústrias será conseguida apenas quando o custo de operar tais sistemas for claramente inferior aos ganhos operacionais introduzidos.
A aplicação de ML requer dois recursos indispensáveis para operarem cujo custo tem vindo a descer continuamente: a evolução constante das capacidades de previsão aliada à diminuição dos custos de aquisição de dados e processamento está a torná-la cada vez mais comercial e financeiramente atrativa. Necessariamente a adoção de tais sistemas continuará a ser progressiva, cobrindo os processos das cadeias de valor consoante o equilíbrio custo-benefício seja percebido como positivo pelas empresas. Na atualidade a conceção de cadeias de valor e processos industriais deve ser acompanhada de uma estratégia de recolha de dados que permita alimentar sistemas ciberfísicos em operação ou que venham a operar no futuro. Também no futuro, processos industriais concebidos sem considerar necessidades de monitorização digital terão dificuldade em integrar-se nas cadeias de valor globais e impedirão as empresas de explorar as tecnologias de previsão em todo o seu potencial.
A queda do preço da previsão faz aumentar a relevância dos seus produtos e serviços complementares (sensores, comunicações e processamento), e em consequência, os investimentos nestas áreas mantêm-se bastante ativos. Os sensores industriais tradicionais limitam a recolha de dados a alguns parâmetros úteis, mas são insuficientes para caracterizar com profundidade a dinâmica industrial. Avanços importantes em visão computacional, uma das áreas tecnológicas onde o ML é mais proeminente, permitem a utilização de sensores de imagem enquanto dispositivos autónomos de identificação de objetos e eventos sem necessidade de intervenção humana na observação da imagem. Estes novos dispositivos, que integrarão sensores de imagem acoplados a sensores coadjuvantes, serão fundamentais para a recolha de dados não anteriormente possíveis por outros meios, aliando a vantagem de que apenas um sensor pode servir vários propósitos, recolhendo dados de diferentes tipos e valorizando-os com informação contextual. Esta nova abordagem no emprego de sensores de imagem, em cooperação com tecnologias como o RFID, tornar-se-á imprescindível para suprir a necessidade de dados abundantes dos sistemas ciberfisicos. Ao mesmo tempo, a evolução nas tecnologias de comunicação mantém-se bastante ativa com a chegada do 5G, que promete facilitar a transferência de dados entre as novas gerações de sensores e os centros de processamento através de maior velocidade e segurança.
Sabemos que tem uma importante vantagem competitiva quem conhece melhor as características do sistema em que está inserido e compreende como as influenciar por forma a otimizar os resultados. A competitividade industrial não é exceção. Todas estas tecnologias estão a confluir para tornar a previsão numa atividade essencial na competitividade da indústria e quaisquer iniciativas para a sua modernização não podem deixar de a contemplar. Será uma decisão estratégica trocar o custo reduzido (ou nulo) da previsão subjetiva e empírica atual pelo custo das tecnologias que sustentam previsões objetivas. A queda do custo da previsão e as novas características dos sensores e tecnologias de telecomunicações estão, eventualmente, a fazer pender a balança a favor da implementação de sistemas ciberfísicos. Nesse sentido, é certo que estará melhor preparada para os desafios do futuro a indústria que primeiro inicie a sua jornada ciberfísica.