Durante grande parte da minha vida profissional, trabalhar em casa era um sonho. Agora que o faço há um mês, deixou de o ser. A tecnologia permite-me fazer grande parte das minhas tarefas remotamente e o Teams, o Skype, o Zoom, o WhatsApp, o Messenger e o email marcam presença no meu portátil profissional, no portátil pessoal e no smartphone. Mas, de certa forma, asfixiam-me. Em relação aos tempos onde trabalhava de forma ‘normal’, começo a trabalhar mais cedo, acabo de trabalhar mais tarde, faço um intervalo para almoço mais curto e fico com a sensação de que estou sempre online, falta-me o fechar da porta quando saio da redação para poder fazer um reset.
Não me entendam mal, estou grato por esta mescla de hardware, software e redes me permitir trabalhar remotamente. Muitos não têm, infelizmente, tal sorte. Mas não se pense que ficar em casa a trabalhar é poder devorar o catálogo quase todo do Netflix durante o dia. Não é o no meu caso e será ainda menos de quem é pai. Teletrabalho com crianças no mesmo espaço físico deverá ser uma tarefa hercúlea. Posso deduzi-lo pelo que me acontece com os três gatos que tenho em casa e que já vieram espreitar videoconferências, entraram em Facebook Live, deitaram-se no teclado, sentaram-se no meu bloco de notas durante uma entrevista telefónica e ficaram em frente do monitor a olhar para o ponteiro do rato a mexer-se no ecrã. A isto juntam-se os pedidos de festas, de brincadeira, de comida… Com crianças, o desafio multiplica-se, no mínimo, por dez.
E depois há, claro, o desafio do hardware. Mais uma vez, tenho a felicidade de poder contar com equipamento capaz, mas quantas empresas/funcionários poderão dizer o mesmo? Nas últimas duas semanas recebi tantos pedidos sobre conselhos para comprar portáteis como quase durante o resto do ano inteiro. Isto significa também que há aqui uma oportunidade para os fabricantes. Sim, terão de lidar com a gestão de um stock mais escasso, mas o teletrabalho conduziu a uma maior procura de computadores, impressoras, webcams e afins. É por isso que se torna particularmente importante resistir à tentação de aumentar o preço da oferta. Inflacionar preços agora seria ter vistas curtas, obter um lucro fácil no imediato, mas afastar clientes para o futuro. As marcas com planos a longo prazo transformarão a crise em oportunidade para aumentar o número de utilizadores.
Isto será ainda mais visível na área das plataformas de comunicação. Teams, Zoom e Webex, por exemplo, batem recordes de utilização, mas como será daqui a algum tempo (quanto tempo?!) quando as coisas começarem a voltar gradualmente à normalidade? Vamos desperdiçar a oportunidade de continuar a usar boas ferramentas de teletrabalho porque o que foi temporariamente gratuito passou a ser pago? E o licenciamento vai ter um valor justo ou irá querer pôr-se em bicos de pés por ter angariado uma base alargada de utilizadores?
O pós-Covid-19 será um desafio para todas as empresas e as tecnológicas não são exceção. Nesta altura de confinamento social lembro-me recorrentemente de dois exemplos: de como, da minha janela vejo passar muitos mais estafetas da Uber Eats na rua do que antigamente; e de como a Airbnb tinha tudo para ser um sucesso tremendo e agora luta pela sobrevivência.