Num único dia, são enviados, em média, seis alertas automáticos para médicos do Hospital de São João. Apenas as situações mais urgentes, inesperadas ou críticas dão origem ao envio destas mensagens para os telemóveis e computadores dos profissionais do hospital portuense. «Tivemos de definir que casos clínicos poderiam desencadear o envio de alertas. Não queríamos banalizar estas mensagens ou gerar fadiga nos médicos», refere José Pedro Almeida, mentor da plataforma HVital e responsável pela Inteligência de Negócio e Ciência de Dados. O envio dos alertas é apenas uma ínfima parte da capacidade tecnológica da plataforma. «Num único minuto, a HVital consegue analisar 300 milhões de registos. A informação é extraída de 30 aplicações clínicas e de apoio à gestão. É um dos sistemas (hospitalar) mais avançado do mundo», acrescenta, com orgulho, o homem que liderou a criação da HVital.
José Pedro Almeida não é o único considerar a HVital está na linha da frente do tratamento de dados com propósitos clínicos. No dia 20 de novembro, a Sociedade de Informação de Cuidados de Saúde e Sistemas de Gestão (HIMMS) atribuiu à HVital a principal distinção do segmento. «Os outros dois finalistas eram do Sistema de Saúde britânico, que é um dos mais desenvolvidos no mundo», acrescenta José Pedro Almeida.
![infecciosas7.jpeg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/12/9928995infecciosas7.jpeg)
Rui Duarte Silva
Em 2012, profissionais do Hospital de São João e da empresa DevScope começam por desenvolver uma ferramenta de gestão de recursos e contabilidade. A missão não demorou muito a ser cluída: ainda em 2012, a nova plataforma de gestão ficou operacional. Até que programadores e profissionais da Saúde definem um novo desafio: e se a nova plataforma procedesse ao tratamento de dados, e apoiasse a tomada de decisão de médicos e enfermeiros?
Ainda em 2013, as novas funcionalidades de apoio a atividades clínicas começam a ser testadas.Em 2014, estas ferramentas passaram a ser usadas de forma transversal a todas as especialidades clínicas do hospital portuense. «O primeiro impacto foi sentido ao nível da gestão hospitalar. Passámos a ter uma ferramenta online, que permitia saber, na hora, dos diferentes problemas que tínhamos desbloquear. Esse impacto foi especialmente notório na gestão do bloco operatório, quando surgem cirurgias que por algum motivo são mais demoradas que o esperado, ou até no aproveitamento das camas de internamento. Depois de 2014, a HVital passou a produzir impacto também nos processos puramente clínicos», recorda José Artur Paiva, diretor clínico do Centro Hospitalar de São João.
As virtudes não tardam a produzir eco além-fronteiras. Ainda em 2014, a HVital ganha o prestigiado prémio mundial de Inovação em Saúde da Microsoft (MSHUG Innovation Awards). Para a atribuição do prémio terão contribuído os módulos da plataforma que permitem racionalizar o uso de antibióticos (e consequentemente reduzem a probabilidade de resistências nas bactérias) e ainda um sistema que envia alertas automáticos, sempre que deteta uma deterioração súbita do estado de saúde dos doentes, através de medições do ritmo cardíaco ou da respiração, o estado de consciência do doente, ou outros indicadores que poderão ser o prenúncio de episódios clínicos mais graves.
![DSC_0632.jpg](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2019/12/9928997DSC_0632.jpg)
O diretor clínico do Hospital de São João faz um balanço positivo da aplicação: «No que toca à gestão, esta plataforma deu-nos uma capacidade de reação quase imediata para a resolução de problemas. E também permitiu uma redução de 10% na prescrição de antibióticos que têm impacto ecológico negativo».
Virtudes do big data
Hoje a HVital é usada regularmente pelos médicos que dirigem equipas, áreas de especialidade ou diferentes recursos e equipamentos. José Artur Paiva acredita que os ganhos não se fiquem por aqui: «A ideia é continuar a criar uma série de módulos com os volumes de dados que temos aqui. O que os médicos e enfermeiros usam é apenas a ponta do icebergue. Na parte não visível, encontra-se toda a informação e as ferramentas que são usadas para a extração de padrões que permite apoiar a tomada de decisões».
No departamento de Inteligência de Negócio do São João há quem confirme de que há muito para explorar no Big Data hospitalar. «Hoje, 80% da informação não está estruturada. O que significa que estamos a ganhar prémios internacionais trabalhando apenas os 20% de informação que estão estruturados», frisa José Pedro Almeida.
Atualmente, está em curso um teste-piloto que prevê o uso da HVital na previsão de casos que exigem a transferência de doentes internados nas várias especialidades para as unidades de cuidados intensivos. De acordo com José Pedro Almeida esta ferramenta a HVital apenas consegue fazer previsões para 30% dos doentes que já estão identificados como estando em risco de serem transferidos para os Cuidados Intensivos. Mas há mais uma característica que faz toda a diferença: a necessidade de transferência destes doentes pode ser prevista sete dias antes de ocorrer.
«A HVital extrai toda esta informação de vários sistemas sem nunca interromper o funcionamento destes sistemas ou pôr em causa o trabalho levado a cabo pelas equipas clínicas», sublinha José Pedro Almeida, numa alusão à heterogeneidade tecnológica dos arquivos do São João e do próprio Sistema Nacional de Saúde que, nalguns casos, chegam a superar a década de vida.
Nos próximos tempos, os programadores do Hospital de São João e da DevScope vão continuar trabalhar na capacidade preditiva da HVital. Em 2017, deverá estrear uma ferramenta que permite alertar médicos para o risco de expansão de infeções que têm por base bactérias multirresistentes.
Nos últimos tempos, os modelos de previsão da HVital têm vindo a beneficiar da inclusão dos denominados algoritmos de deep learning que são disponibilizados pela Facebook e a Google. É com estes algoritmos que os dois gigantes da Internet têm vindo a testar ferramentas e serviços que interpretam automaticamente imagens de objetos, pessoas, cenários ou situações. Para poderem extrair diferentes padrões de utilidade clínica, os programadores do Hospital de São João e da DevScope tiveram de proceder a uma adaptação dos algoritmos com regras definidas com a ajuda de médicos das diferentes especialidades.
«No limite, torna-se possível analisar um texto, que está nos arquivos há mais de 10 anos e detetar um conjugação de fatores de risco que seria humanamente impossível alguém detetar», refere José Pedro Almeida, apontando já para futuras evoluções: «Hoje, o paradigma já passa pelo desenvolvimento de algoritmos que conseguem inferir automaticamente as regras (que são úteis para os humanos)».
Hoje, a HVital está apta a analisar 560 mil milhões de cálculos por dia. José Pedro Almeida admite que o hospital portuense tem «boas máquinas» para suportar tamanha carga de processamento, mas nega que sejam supercomputadores que mereçam figurar nos rankings internacionais. E não hesita em dar o mérito à DevScope por ter conseguido pôr os servidores do Hospital a executar os já referidos 560 mil milhões de cálculos diários: «Por questões legais não podemos enviar dados para os serviços de computação que operam na cloud».
Nota: O texto foi emendado em vários excertos.