Vácuo. Criogenia. Precisão. Temperaturas altas. Desgaste agressivo de materiais. Estes são conceitos que fazem parte do dia-a-dia da Active Space Technologies, empresa que, tal como o nome indica, é especializada no desenvolvimento de projetos e tecnologias de exploração espacial, tendo já trabalhado com a gigante Airbus e com a Agência Espacial Europeia (ESA no acrónimo em inglês). Mas estas são também palavras cada vez mais associadas a um outro setor de atividade, ainda numa fase experimental, mas ao qual é reconhecido um enorme potencial revolucionário para as próximas décadas – a energia de fusão nuclear.
“O nuclear, em geral, é uma área que surgiu [para nós] quase naturalmente. São projetos que têm uma componente de desenvolvimento em computador muito forte, temos a parte de certificação de qualidade, a documentação, é muito exigente”, conta Ricardo Patrício, responsável de desenvolvimento de negócios da empresa sediada em Coimbra, em entrevista à Exame Informática.
A Active Space Technologies é uma das entidades portuguesas que está a trabalhar no Reator Termonuclear Experimental Internacional (ITER no acrónimo em inglês), o maior projeto do mundo de validação do conceito de energia fusão nuclear – um tema que é explorado de forma mais detalhada na Exame Informática nº 303, que está atualmente em bancas.
Na prática, a energia de fusão nuclear é um método que consiste na fusão de dois núcleos atómicos leves que dão origem a um núcleo mais pesado. Este processo, que acontece dentro de uma câmara de confinamento magnética (conhecida como tokamak), liberta uma grande quantidade de energia. Mas a fusão só acontece quando a câmara do reator chega perto dos 150 milhões de graus centígrados e é formado um plasma que permite este processo. A energia da fusão nuclear é depois usada para aquecer um líquido – pode ser água, por exemplo – e o vapor gerado fará mover turbinas que geram eletricidade. No final, é produzida até 40 vezes mais energia do que aquela que é consumida, o processo é autossustentável e não gera, diretamente, dióxido de carbono.
A Active Space Technologies participa no ITER na área dos diagnósticos: existem dezenas de entradas no tokamak, nas quais são feitas análises ao estado do reator e ao processo de fusão. A tecnológica portuguesa está a desenvolver as especificações técnicas para os testes de diagnóstico ligados ao plasma, como a análise à degradação do escudo térmico do reator, a acumulação de partículas no fundo do tokamak e a pressão da câmara magnética.
“Estamos a trabalhar no projeto e desenvolvimento desses diagnósticos, sobretudo óticos, que estão a olhar para o plasma, estão expostos a condições extremas de calor. Temos de transmitir a luz através de espelhos para os sensores eletrónicos mais afastados do tokamak. (…) Tudo o que seja diagnóstico ótico, estamos muito envolvidos”, sublinha Ricardo Patrício.
A empresa tem estado a trabalhar apenas na criação de projetos para componente de diagnóstico, pois só agora é que os componentes em si vão entrar em produção – e se serão criados pela empresa ou não, só contratos que vão ser lançados no futuro é que o dirão. A construção do reator de energia de fusão nuclear, localizado no sul de França, arrancou no início de agosto.
“Alguns [testes de diagnóstico] têm de estar prontos para o primeiro plasma, ou seja, daqui a dois anos temos de ter a parte de fabrico já terminada, depois há outros diagnósticos para os anos seguintes”, acrescentou.
Concorrência de peso
Da equipa de 39 pessoas que atualmente compõe a Active Space Technologies, quatro estão alocadas ao ITER. “Temos neste momento dois contratos e um a finalizar. Na globalidade estamos a falar de dois milhões e meio de euros”, adianta o responsável da empresa. “O ITER é um projeto a nível internacional. Estamos a concorrer com coreanos, russos, americanos e ainda assim ganhámos alguns projetos”.
Mas esta não é a primeira ‘aventura’ da tecnológica de Coimbra no mundo da energia de fusão nuclear. No ‘currículo’ conta já com uma participação no JET, um reator de energia de fusão nuclear situado em Inglaterra, no Reino Unido, uma versão mais pequena e mais experimental quando comparada com o ITER, mas no qual participaram na área de manuseamento remoto, através de braços robóticos no interior do reator, e também no desenho de parte da cablagem eletrónica que existe no JET.
Até que a fusão nuclear seja numa alternativa viável de energia, algo que poderá acontecer só a partir de 2050, o Espaço vai continuar a representar a maior parte da atividade da empresa de Coimbra. “Somos fornecedores de engenharia e nessa perspetiva esta é uma aposta a muito longo prazo”, defende Ricardo Patrício.