A Força Aérea Portuguesa (FAP) desistiu da renovação automática de um contrato para missões de vigilância da Costa da Croácia, que lhe foi atribuído em 2016 por concurso da Agência Europeia de Segurança Marítima (EMSA). A decisão foi tomada em abril de 2019.
No final de 2018, dois drones do consórcio liderado pela Força Aérea protagonizaram dois incidentes, que inutilizaram os aparelhos voadores. Essas ocorrências obrigaram a suspender os serviços prestados em nome da EMSA ao governo croata. E só em abril de 2019 a FAP regressou ao local para concluir o período de missão de vigilância que faltava cumprir antes dos incidentes.
O contrato iniciado em setembro de 2018 dava ao consórcio liderado pela FAP a possibilidade de receber, durante os 12 meses seguintes, um máximo de de 888.386 euros – um valor que poderá ser considerado como referência para o montante que a FAP poderia ter recebido entre setembro de 2019 e setembro de 2020, caso não tivesse abdicado da renovação automática do contrato.
A FAP não fornece detalhes sobre os motivos que a levaram a abdicar do contrato que lhe foi atribuído depois de se apresentar a concurso em parceria com a fabricante de drones portuguesa UAVIsion e a Deimos. “Em 2019, a Força Aérea Portuguesa, face à sua estratégia e compromissos, informou a EMSA que não pretendia a segunda renovação do contrato”, adianta o Gabinete do Chefe de Estado da Força Aérea Portuguesa.
A FAP não indica o valor previsto para o contrato que foi alvo de desistência. O Gabinete do Chefe de Estado Maior da Força Aérea Portuguesa nega qualquer penalização ou sanção da EMSA na sequência da queda dos dois drones. Nas respostas enviadas para a Exame Informática, a FAP não especifica quanto é que o consórcio recebeu do máximo de 888 mil euros que a EMSA disponibilizou para as operações de vigilância na Croácia em 2018, mas garante que o contrato foi respeitado integralmente.
“O contrato específico para a prestação de serviços às autoridades croatas foi satisfeito na íntegra e não houve qualquer penalização. A Força Aérea Portuguesa, assim como os seus parceiros, receberam a totalidade do contrato com a EMSA”, refere a FAP, por e-mail.
A EMSA confirma não ter aplicado qualquer tipo de sanção à FAP, à UAVision ou à Deimos, mas lembra que “o orçamento previsto não foi consumido na totalidade devido à suspensão dos serviços de RPAS (sigla em inglês de Sistema Aéreo Pilotado Remotamente)”.
Por seu turno, Nuno Simões, líder da UAVision, informa que a fabricante de drones recebeu ao abrigo dos contratos assinados com a EMSA 487.139,59 euros. “Mas este valor tem em conta uma extensão da missão por parte da EMSA”, explica Nuno Simões, lembrando ainda que, nalguns parâmetros, o contrato previa 50% dos valores para a UAVision, mas noutros essa fatia poderia não superar os cinco por cento.
Sobre a desistência do contrato da EMSA, Nuno Simões considera que o combate aos incêndios teve um papel determinante para a tomada de decisão das autoridades nacionais: “Em primeiro lugar, não creio que (a desistência do contrato da EMSA) tenha sido uma decisão da FAP. Reconheço apenas que existiam também outras prioridades muito relevantes a nível nacional, nomeadamente no âmbito da avaliação operacional de meios aéreos não tripulados para a vigilância de incêndios rurais”.
O executivo da UAVision também recorda que os drones ao serviço da FAP realizaram, no verão passado, “mais de 240 horas de voo” a partir do aeródromo da Lousã, permitindo detetar e acompanhar mais de 40 ocorrências relacionadas com incêndios.
Recentemente, uma resolução de Conselho de Ministros deu luz verde à FAP para investir cerca de 4,5 milhões de euros na compra de 12 drones para a deteção de incêndios.
O consórcio FAP/UAVision garantiu o contrato de prestação de serviços de vigilância marítima na costa da Croácia em 2016. O contrato arrancou com uma duração de dois anos, e previa a renovação automática de dois “contratos específicos”, com duração de 12 meses cada.
Em setembro de 2018, o consórcio deu seguimento a uma primeira renovação automática de 12 meses, que garantiu a prestação de serviços de vigilância da costa mediterrânica, sempre que solicitada pelo Governo croata, mas na condição de, durante o período deste “contrato específico”, os custos das operações não superarem o valor máximo de cerca de 888 mil euros. As missões atribuídas por este “contrato específico” haveriam de ser suspensas devido às já referidas quedas de drones.
Quem pagou os drones acidentados?
Os dois acidentes com os drones de vigilância da costa croata acabaram por ter desfechos diferentes no que toca a encargos financeiros resultantes da perda dos dois veículos voadores. Num dos casos, que terminou com uma queda junto ao aeroporto de Brac, a UAVision foi ressarcida pelo seguro. Num outro caso, que levou à amaragem em pleno Mediterrâneo, a UAVision teve de suportar os custos relativos ao drone.
“Para o drone que se despenhou durante a aterragem, fomos ressarcidos pelo nosso seguro. Tratou-se de um erro humano durante a aterragem, conforme pode ser verificado no relatório oficial da Agência para a Investigação de Acidentes de Tráfico Aéreo, Marítimo e Ferroviário da Croácia (AIN, na sigla em croata). No entanto, saliento que o mesmo (acidente) aconteceu devido a condições meteorológicas muito adversas e atípicas, as quais tornaram a operação de aterragem extremamente complexa”, refere Nuno Simões.
No site da AIN, é possível encontrar um relatório que fornece detalhes sobre o drone da FAP que caiu junto ao Aeroporto de Brac, que fica situado numa ilha croata. Segundo o relatório, o acidente foi protagonizado por um drone do modelo Wingo Ogassa, a 20 de novembro de 2018.
Os drones Wingo Ogassa são fabricados pela UAVision para executar missões de 10 horas, com altitudes máximas de 2500 metros, e velocidades que podem chegar 130 Km/h. O drone acidentado iniciou viagem com um peso à descolagem de 38 Kg. Tanto a descolagem como a aterragem foram efetuadas por um operador de drones da FAP que é descrito como devidamente habilitado para essa missão.
O especialista da AIN refere que o aparelho ficou totalmente destruído depois de se despenhar contra o solo, durante a curva que precede a aterragem. O relatório da AIN aponta como principais causas do acidente a reduzida velocidade com que o drone executou a manobra que precede a aterragem e o efeito produzido pelo vento de grande variabilidade na traseira do veículo voador, que terá acentuado a perda de velocidade, e precipitado uma queda a 100 km/h.
Tirando o drone, que ficou inutilizado, não houve registo de danos humanos ou materiais.
O segundo incidente “deveu-se a uma falha de motor, devido a gelo no carburador, quando a aeronave sobrevoava o mar”, refere o responsável máximo da UAVision. Nuno Simões recorda que o inverno croata é bastante severo, mas também admite que “as condições estavam dentro do envelope operacional”. “Após esta ocorrência, foram implementados sistemas de salvaguarda para prevenir este tipo de ocorrências no futuro”, acrescenta.
O líder da UAVision recorda que este incidente ocorreu bastante longe da base (entre 30 km e 50 km de distância, estima). “Todos sistemas funcionaram até à amaragem com a exceção do motor. O que permitiu efetuar uma amaragem controlada e em segurança. A aeronave foi posteriormente recuperada por um barco de pesca, mas (estava) inoperacional. Neste caso, a UAVision assumiu todos os encargos”, explica Nuno Simões.
O responsável da UAVision lembra que os dois acidentes registados na Croácia não são casos únicos em missões patrocinadas pela EMSA. “Julgo também ser interessante questionar a EMSA sobre acidentes com outras plataformas de maior dimensão”, diz.
NOTA: o texto foi atualizado com as respostas envadas pela EMSA.