Miguel Henriques, chefe de Divisão de Consignação de Frequências e Licenciamentos da Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom), faz a antevisão da migração de frequências da Televisão Digital Terrestre (TDT) que arranca esta quarta-feira com um teste piloto com o emissor que transmite para o município de Odivelas. Até junho de 2020, terá de ficar concluída a migração do Modo de Frequência Única, que não deixa muitas saudades devido às interferências, para um Modo de Multifrequência, que prevê atribuição de diferentes faixas a 12 regiões do País. Mais de dois milhões de pessoas deverão tirar partido desta mudança sem ter de reorientar antenas ou substituir boxes. Cerca de 30% destes cidadãos já usam as novas frequências. A Anacom prevê um processo de migração sem sobressaltos.
Porque é que a TDT tem de mudar de frequências?
É algo que decorre da aprovação da decisão 899/17 da Comissão Europeia, que determinou que os estados-membros, a partir de 30 de junho de 2020 têm de disponibilizar a faixa dos 700 MHz para os serviços de comunicações eletrónicas terrestres – o que quer dizer para os telemóveis. Atualmente, a rede de TDT está na faixa dos 700 MHz. A nossa rede de TDT é constituída por 267 emissores, mas 242 desses emissores operam em frequências nessa faixa dos 700 MHZ. E por isso estes emissores têm de mudar de frequências de forma a libertar a faixa dos 700 MHz, para que seja atribuída aos serviços móveis.
Em que frequência é que vão passar a operar esses 242 emissores?
A faixa da atual TDT vai dos 470 MHz aos 790 MHz. A decisão da Comissão Europeia indica que dos 690 MHz aos 790 MHz vão passar para serviços móveis em junho de 2020. Logo, esses 242 emissores têm passar a transmitir na faixa de frequências entre os 470 MHz e os 694 MHz.
Não há perda de qualidade do sinal?
Não. Neste processo, o âmbito da cobertura da TDT vai aumentar, porque os emissores começam a emitir em frequências mais baixas (e que por isso têm maior alcance). Estes 242 emissores partilhavam quase todos a mesma frequência…
…No Modo de Frequência Única (SFM)!
Exatamente, nomeadamente no Território Continental (português). O que se passa é que (depois da migração de frequências) o Território Continental vai ser subdividido em 12 áreas (com frequências diferentes), o que vai mitigar em muito as situações de auto-interferência que hoje se verificam. As auto-interferências são hoje consideradas zonas de não cobertura por via terrestre (a TDT também pode ser transmitida por satélite). Hoje, um emissor do Algarve tem a mesma frequência que emissores de Lisboa, Coimbra, Porto ou do Minho. Com esta migração, um emissor do Algarve só passa a ter a mesma frequência das estações que lhe estão próximas. Logo, quando vierem as alterações de propagação do sinal de TDT, que acontecem geralmente no verão, o emissor do Algarve não vai, passe a expressão, “chatear” o emissor do Minho, porque este emissor já se encontra numa frequência diferente.
A regulação internacional acabou por resolver um problema que havia na TDT nacional…
A Rede de Frequência Única foi uma opção tomada quando se introduziu a TDT em Portugal. Teria sido possível dizer à Meo para mudar as frequências devido às auto-interferências, mas isso daria uma sensação de que o erário público iria pagar à Meo para resolver os problemas da rede. O que não faz sentido nenhum. Portanto, é com a imposição da decisão da Comissão Europeia que arranjamos um argumento para, uma vez que aquela faixa de frequências vai ter de ser libertada, determinar como é que a TDT teria de passar a ser emitida.
E o que acontece aos 25 emissores que não foram escolhidos para fazer esta migração?
Há cinco ou seis nos Açores e cerca de 20 no território continental. Esses emissores não vão mudar, porque já emitem nas frequências pretendidas. Quem está sintonizado nesses emissores não vai ter de fazer nada. Para suprimir o problema das interferências, nomeadamente em 2012, foi instalada uma rede de multifrequências, em diferentes canais. E quase toda essa rede já está a operar em frequências que não têm de ser alteradas. Só esses emissores cobrem cerca de 30% da população que hoje vê da TDT – e que não tem de fazer nada para sintonizar as novas frequências.
O que é que as pessoas têm de fazer para sintonizar a TDT nas novas frequências? De certeza que não é necessário ou reorientar antenas?
De certeza absoluta. Todo o processo foi feito para se aplicar à atual rede. Como as frequências vão ser mais baixas, a intensidade do sinal necessária para captar o serviço é mais baixo e posso garantir uma certeza de 99,99% que não haverá um caso de alguém que tem TDT e que depois deixa de a ter. Não é preciso adquirir equipamentos. Todos os estados membros vão ter de passar por este processo – uns com mais emissores; e outros com menos. Há estados-membros que, com a redução da faixa de frequências disponível da TDT, aproveitaram este processo para migrar para novas tecnologias, nomeadamente, para o DVB-T2 e para um formato de compressão de vídeo mais eficiente.
A TDT portuguesa não adotou o protocolo DVB-T2?
Não. (É usada a primeira versão do DVB-T) Mantivemos a tecnologia porque a atual rede tem capacidade para nove serviços de programas televisivos (canais de TV) – mas a rede não transporta esses nove serviços de programas, apenas tem sete. Portanto, não faz sentido haver uma evolução da tecnologia para ter uma rede com mais capacidade, porque a rede continua a ter uma capacidade totalmente excedentária. Por outro lado, a população que usa a TDT, que corresponde às pessoas com mais baixos recursos, não tem de comprar novos equipamentos, uma vez que os equipamentos que têm em casa continuam a receber o sinal.
E do ponto de vista tecnológico, não faria sentido migrar para o protocolo DVB-T?
Portugal tem (espetro disponível para) seis redes de TDT planeadas. Estamos a utilizar uma. Há espetro para mais cinco. Se o Governo e a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) assim o entenderem, podem ter DVB-T, porque estão preparadas para isso. A política do audiovisual não cabe à Anacom. À Anacom compete criar condições técnicas para política audiovisual do País. Mas a política audiovisual do País compete ao Governo e à ERC. Será o Governo, em conjunto com a ERC, que nos dirá se será preciso lançar um concurso público para criar mais uma, duas ou três redes de TDT, de forma a que essas redes consigam contemplar o número de serviços que entenderem.
Se alguma vez vierem a ser lançadas, essas redes de TDT até poderão concorrer com as redes fixas que já existem.
Sim.
O que nos leva a acreditar que os problemas registados em 2012 não se repetem durante 2020?
A TDT foi lançada em 2009, mas o que aconteceu é que as pessoas só migraram para a TDT, quando foram obrigadas, com o desligamento das estações analógicas, cuja primeira fase ocorreu em janeiro de 2012. Por isso é que se diz que a introdução da TDT foi em 2012. Houve um período de três anos em que coexistiram a tecnologia analógica e a tecnologia digital. O problema é que, como não houve qualquer incentivo para a migração, as pessoas só migraram quando foram obrigadas…
… eventualmente, os equipamentos compatíveis também estavam longe de abundar!
Havia equipamentos, o que não havia era incentivos para as pessoas migrarem, apesar de estarem previstos… como um canal de alta definição e um novo canal de televisão generalista. Só que, por questões que não dizem respeito à Anacom, e dirão mais respeito à ERC e ao Governo, nem o canal de alta definição nem o novo canal viram a luz do dia. Esses eram dois grandes incentivos para as pessoas migrarem da tecnologia analógica para a tecnologia digital. Com mais serviços disponíveis as pessoas migrariam com mais vontade…
E esse cenário de corrida de última hora não se poderá repetir?
Não há incentivo nenhum para a migração e as pessoas só poderão migrar quando o emissor mudar de frequência. Vamos fazer este piloto esta quarta feira, na zona de Odivelas, porque temos um conjunto de ações para auxiliar a população neste processo. E queremos ver num ambiente limitado se estas ações são boas, e se se adequam às necessidades da população, de forma a que, entre esta quarta-feira e o início do processo de lançamento no País, que deverá ocorrer na primeira quinzena de fevereiro, possamos saber da necessidade de adaptar as ações previstas para apoiar a população.
É verdade que a migração da TDT está a atrasar o processo de lançamento das redes de quinta geração de telemóveis (5G)?
Portugal não está atrasado, porque a Anacom, em outubro, determinou que a Meo deveria concluir a libertação das faixas de frequências da TDT até 30 de junho de 2020. Que é também a data definida pela Comissão Europeia. Por outro lado, não basta libertar a faixa para que a 5G apareça. Há que atribuir o espetro que foi libertado aos diversos operadores. De acordo com a consulta pública sobre a limitação dos direitos de utilização de frequências para a 5G, prevê-se que o leilão ocorra em junho de 2020 e que os títulos habilitantes para que os operadores comecem a usar a faixa dos 700 MHz sejam concluídos até agosto de 2020. Quando os operadores receberem os títulos habilitantes já a faixa dos 700 MHz estará liberta da TDT. Pelo que o processo da TDT não influi de modo nenhum em atrasos da 5G, nomeadamente, na utilização da faixa dos 700 MHz… além disso, a 5G não vai ser introduzida apenas na faixa dos 700 MHz. Vai aproveitar essencialmente a faixa dos 3,4 aos 3,6 GHz.
Quantos utilizadores de TDT há em Portugal?
Temos uma estimativa quanto à percentagem que acede exclusivamente aos serviços de TDT que ronda os 13%. Se juntarmos os casos em que a TDT é usada como segunda ou terceira opção para clientes que também têm contratos de satélites ou IPTV em casa, o serviço deverá contar com cerca de 20% da população. Estimamos que 30% destes 20% não deverão ter de fazer nada (porque estão em áreas cobertas pelos 25 emissores que já procederam à migração para os sistemas multifrequência).