Os artigos 11º e 13º da futura Diretiva dos Direitos de Autor incendiaram o Parlamento Europeu, devido a proposta de filtros que automaticamente bloqueiam conteúdos não autorizados por autores e produtores. Em Portugal, o tema assumiu maiores proporções mediática depois de uma tirada do youtuber Wuant que levou a Comissão Europeia a negar que a Internet estivesse em vias de acabar. Eduardo Santos, presidente da Associação de Defesa de Direitos Digitais (D3), diz que é a liberdade de expressão que está em risco – e considera que a Google será uma das beneficiadas com a aplicação de filtros.
Em que fase legislativa se encontra a nova Diretiva dos Direitos de Autor?
Neste momento estão a decorrer os trílogos. A Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu apresentaram as suas versões (para os textos finais da Diretiva), o que significa que temos três versões sobre a mesa. Durante os trílogos as três entidades negoceiam um texto final. Estamos a aguardar que esse texto final seja aprovado, para depois voltar ao plenário do Parlamento Europeu para ser votado numa última vez.
Ainda há possibilidade de serem aplicados os filtros de uploads?
Há uma versão aprovada no Parlamento Europeu que tem algumas melhorias nesse sentido (de impedir o bloqueio automático de uploads, quando não respeitam os direitos de autor)… são melhorias estéticas, não são substanciais e não resolvem o problema. Temos de ter cautela. A versão aprovada no Parlamento Europeu, apesar de ter sido a última aprovada, não quer dizer que vai ser a final…
Sim, mas sem a aprovação do Parlamento Europeu não há diretiva… sendo que chumbou os filtros em junho, tendo aprovado uma versão de diretiva que diz que o «bloqueio automático» deve ser evitado.
Neste momento, receamos que os filtros de uploads tenham grandes chances de passar… e nesse caso teremos de debater a versão exata que for levada (no final do processo) ao Parlamento Europeu. No nosso entender, a versão atual da diretiva que saiu do Parlamento retirou a referência expressa aos filtros, mas mantém obrigações para as plataformas, que na prática só podem ser cumpridas com esse tipo de mecanismos. Daí a expressão «mudanças estéticas», que tentam melhorar o texto do ponto vista das relações públicas, mas não são uma alteração substancial ao nível da solução apresentada pela Comissão Europeia.
Por que é que está contra os filtros de uploads?
Pensamos que é um problema de liberdade de expressão. Os filtros nunca são uma medida adequada para tratar problemas de liberdade de expressão. Em teoria, sempre que alguém fala pode estar cometer um crime; pode estar a fazer um difamação ou uma injúria, mas nunca se justifica só por si que se recorra a mecanismos tecnológicos preventivos que controlem o que uma pessoa pode dizer. Há mais dois pontos importantes: um deles é que sabemos que os filtros automáticos não resultam. Sabemos que os filtros automáticos não conseguem distinguir uma utilização lícita de uma utilização ilícita. É uma limitação tecnológica; já sabemos à partida que não vai resultar. Além disso, sabemos que o artigo 13º vai ser benéfico para a Google, porque é a única empresa que tem um sistema de identificação de conteúdos que custou 100 milhões de euros a desenvolver… e nenhuma outra plataforma, principalmente entre empresas europeias, vai conseguir ultrapassar essa barreira de mercado para competir com a Google.
Além das críticas aos filtros e ao artigo 13º, a D3 também já se pronunciou contra o artigo 11º da Diretiva… no vosso entender o que tem este artigo de errado?
Em nosso entender o artigo 11º é uma medida inadequada que não vai resultar… como também não resultou na Alemanha e na Espanha. O artigo 11º tem um texto muito mais geral, não entra em especificidades como entra o artigo 13º. Não creio que haja grandes mudanças ao nível do 11º artigo (durante os trílogos). É um artigo bastante polémico, mas como o texto não entra em detalhes, e é muito vago torna mais difícil a modificação (durante os trílogos).
E por que é que está contra as plataformas da Internet pagarem aos jornais e jornalistas pelas respetivas publicações?
É o problema do financiamento do jornalismo. Já foi demonstrado que que uma medida similar ao artigo 11º não resultou em Espanha e na Alemanha. É uma medida que não vai funcionar e que é inadequada. Opomo-nos que seja obrigatório o pagamento por links, snippets, ou outros processos similares que acabe por desincentivar a partilha de conteúdos jornalísticos profissionais.
O blogger Wuant ao tomar aquela posição conseguiu ou não criar um movimento contra os polémicos artigos da Diretiva dos Direitos de Autor?
Espero que sim e consideramos muito positivo que os jovens estejam a interessar-se pelo tema. Não podemos esperar que youtubers tenham o rigor dos jornalistas. A imprensa tem um papel fundamental a cumprir – e que é o papel de esclarecer as pessoas.
Sim, e é devido a esse tipo de rigor que faz sentido lembrar que a nova Diretiva não vai acabar com a Internet!
A expressão «a Internet, como a conhecemos, vai acabar» é suficientemente lata para pôr tudo e mais alguma coisa lá – ou simplesmente não pôr lá nada. A parte da frase relativa ao «como conhecemos» dá para tudo e mais alguma coisa.
Acredita que esta Diretiva dos Direitos de Autor vai acabar por fomentar a participação política dos mais jovens?
Esta diretiva já bateu recordes antes de começar (o debate). Ainda antes de a Diretiva ser proposta, a consulta pública levada a cabo pela Comissão Europeia bateu recordes de participação. Os eurodeputados foram contactados imensamente pelos cidadãos europeu. O que levou até a alegações sobre a suposta compra de bots pela Google. Não foi esse o caso. Há um interesse genuíno. As pessoas estão preocupadas. Os youtubers tornaram a escala ainda maior – especialmente em Portugal. Para nós, este tema vai ser muito importante junto do eleitorado mais jovem.
Quando se prevê que este processo legislativo termine?
O que se diz nos corredores de Bruxelas é que o processo legislativo deverá estar fechado este mês para que possa ser aprovado algures em Janeiro. Era importante ou conveniente que o texto fosse o mais tarde possível, nomeadamente, perto das eleições europeias de 2019.
A D3 prevê vir a lançar alguma medida para contrariar a Diretiva?
Não temos nada em concreto, mas queremos tornar num dos grandes pontos das eleições europeias, especialmente junto de um eleitorado mais jovem.
NOTA: texto emendado depois de alerta de Eduardo Santos, que que esclareceu ter aludido à «compra de bots pela Google» e não à «compra de votos pela Google». A similaridade sonora induziu o erro na transcrição desta entrevista. As nossas desculpas aos visados e aos leitores.