Se conhece a Uber, facilmente vai perceber o modelo de negócio da Flixbus: a empresa de origem alemã também tem numa app o elemento fulcral para a captação de clientes – mas é nos preços, que seguem uma lógica dinâmica e chegam a 1 euro para destinos no estrangeiro, que faz a diferença face à concorrência. Pablo Pastega, responsável pela Flixbus na Península Ibérica, reitera a intenção de entrar nas viagens acima dos 50 quilómetros de distância entre cidades portuguesas, mas lembra que a legislação atual ainda não o permite. Portugal e Espanha são os únicos países onde esta “uber dos autocarros” não está habilitada a vender viagens domésticas. «Temos 14 linhas que passam em Portugal e paramos em muitas cidades, mas há muitas cidades – e estações – onde não podemos parar», refere o responsável da Flixbus numa breve entrevista telefónica, que permitiu ainda relembrar o estudo da Comissão Europeia que apurou que Portugal é o 4º país da UE com os preços mais caros para longas distâncias de autocarros,
Como é que a Flixbus consegue cobrar por viagens de Lisboa a Madrid ou Paris por apenas 1 euro?
A Flixbus usa a tecnologia para otimizar todos os processos e a comercialização das diferentes ligações. Com isso conseguimos reduzir os custos supérfluos na gestão de um serviço que abrange milhares de autocarros. As tecnologias permitiram disponibilizar preços muito económicos aos nossos clientes e também produzem efeito na qualidade. A frota da Flixbus tem menos de três anos; mas em Portugal essa frota tem menos de um ano…
… está a referir «a frota da Flixbus»… a Flixbus tem uma frota ou funciona como uma plataforma de aluguer de veículos de terceiros, como a Uber faz para os carros ligeiros?
Esse é outro dos pilares importantes para esse negócio. Além da tecnologia, que nos permitiu aumentar vendas, temos também acordos com transportadoras locais. Através desses acordos passamos a gerir a parte legal, as autorizações, as planificações das redes, o marketing, os preços, as vendas e o atendimento aos clientes. Os nossos sócios, que geralmente são pequenas e médias empresas, só têm de gerir as frotas de autocarros e os respetivos condutores. Temos mais de 300 sócios em toda a Europa. Há países onde temos muito negócio, como Alemanha, França ou Itália. Mas também há países em que temos pouco negócio, como Portugal, onde só temos um sócio. A ideia é trabalhar para ter mais sócios portugueses. O interessante é que não há uma subcontratação; fazemos acordos que preveem a repartição de investimentos e de lucros gerados.
E quais as percentagens da repartição?
Os nossos sócios recebem o correspondente a 65% a 75% das receitas geradas pelos bilhetes de cada ligação.
Por que é que só há um sócio em Portugal?
Estamos em 29 países. Temos 70 sócios em França e Itália e cinco em Espanha. Portugal foi o último país em que entrámos. Temos um sócio, mas obviamente temos interesse e temos a certeza de que à medida que formos desenvolvendo o nosso modelo de negócio vamos ter mais pessoas com interesse em trabalhar connosco. O problema é que Portugal é um mercado que ainda não está liberalizado e não permite a concorrência livre, e além disso, há uma situação de quase monopólio nos “expressos”…
De quem é esse monopólio?
Isso é algo que terão de ser vocês (jornalistas) a investigar. Há muito pouca concorrência ligações internas (entre cidades nacionais) e os preços, em Portugal, como demonstram estudos da Comissão Europeia, são muito mais elevados que no resto da UE. Estamos a falar de linhas de longa de distância, nos “expressos”, com percursos de mais de 50 quilómetros. Em Portugal, estes “expressos” têm preços bem mais elevados que noutros países como a Alemanha… como sabemos, os rendimentos per capita em Portugal são mais baixos que na Alemanha. Logo, seria de esperar que os preços praticados em Portugal fossem mais baratos que na Alemanha. Mas sabemos que não é assim.
Os preços altos até podem facilitar a entrada da Flixbus… quais as barreiras ou obstáculos que encontraram em Portugal?
O principal problema tem a ver com a impossibilidade de fazer uso de alguns terminais de autocarros em algumas cidades. Geralmente, acontece em estações de autocarros de empresas privadas. São empresas que podem ser nossas concorrentes e não está a ser fácil fazer uso desses terminais. Há cidades onde a Flixbus não pode parar porque não tem um lugar para para.
As estações são dessas empresas… A lei obriga essas empresas a aceitar os vossos autocarros?
A lei não entra nesse aspeto. Mas a Autoridade de Mobilidade e Transportes (AMT), creio eu, está consciente do problema e publicou um relatório há algumas semanas, que já apontava este problema para resolver. Mas não há nenhuma lei para isto… Há uma série de leis que se sobrepõem umas às outras. Não há clareza quanto a este ponto do acesso aos terminais. Parece-nos que não somos os únicos que temos este problema. É possível que haja outras empresas que estejam a passar por este tipo de problema.
A Flixbus consegue usar as estações da concorrência noutros países da UE?
Sim, geralmente, não há tantos problemas como há hoje em Portugal. Em Portugal, já temos vários casos em várias cidades, em que temos dificuldade em usar as estações dessas cidades. Estamos a contactar com as câmaras municipais, para ver se conseguimos encontrar alternativas…
E o que têm dito as câmaras?
Há de tudo… mas apenas poderei ter uma resposta mais concreta dentro de algumas semanas, quando tivermos mais respostas dos municípios.
A Flixbus vai marcar presença em todas as maiores cidades de Portugal?
Temos 14 linhas que passam em Portugal e paramos em muitas cidades, mas há muitas cidades – e estações – onde não podemos parar. Estamos a ver qual a forma de podermos parar nessas cidades. Estamos a apostar em Portugal, mas precisamos que se resolvam este tipo de problemas. Se tivermos uma linha que passa por uma cidade e não pudermos recolher passageiros que se encontram nessa cidade, vai tirar-nos muitos ingressos nessa cidade. Numa linha internacional é necessário ter uma estação. Uma pessoa que segue numa viagem internacional, provavelmente, leva uma mala e precisa de serviços preparados para este tipo de viagem. Se não houver estação, teremos de procurar outras soluções.
Acredita que a entrada de empresas como a Flixbus pode produzir efeito nos preços praticados em Portugal?
A Flixbus só opera em Portugal com viagens internacionais. Não podemos fazer ligações internas, dentro de Portugal, devido à legislação vigente. A legislação vigente é muito antiga, e o mercado dos “expressos” mantém-se regulado. A nossa experiência apenas incide nas ligações internacionais, e aí temos uma oferta agressiva. Acreditamos que há procura para esta oferta. Parte do sucesso da Flixbus deve-se à otimização da oferta e da procura, com base nos preços dinâmicos. Se uma pessoa procura uma viagem de Lisboa para Madrid para dentro de uma ou duas semanas pode pagar 19 ou 20 euros, mas se comprar essa viagem numa data posterior, eventualmente, já terá de pagar o dobro ou o triplo. Os preços baixos não são fixos. Vão mudando. Vamos fazendo isso para poder otimizar a oferta e a procura. É o que fazem as companhias aéreas. Esta política de preços baixos e dinâmicos permite-nos ter promoções com preços muito chamativos, para levar as pessoas a usar os nossos autocarros. Preços baixos não significam baixa qualidade. O preço baixo permite ter um nível e serviço muito consistente; os autocarros têm casa de banho, Wi-Fi, snacks e espaço extra para as pernas, sobretudo para viagens noturnas.
Não têm planos para lançar ligações dentro de Portugal?
Temos ligações internas em toda a Europa, menos em Espanha e Portugal… Espanha tem um mercado público e regulado por concessões, que não permite que haja vários operadores a explorarem a mesma ligação. Em Portugal, iniciou-se um processo de liberalização em 2015, com o governo anterior, mas esse processo exige que se siga com mais etapas (legislativas), e não avançou. Por isso, o mercado português mantém-se fechado, não permite que um operador possa alterar as ligações domésticas… estamos à espera para ver o que acontece.
Em resumo, para empresas como a Flixbus, a liberalização do mercado é determinante!
Não é só para nós; antes de mais é importante para os consumidores e para o País, que podem ter benefícios claros, como a descida de preços, a melhoria da qualidade, levar mais gente a viajar. E isso tem impacto na economia e no turismo. As vantagens que resultam da concorrência são para o todo o País. E por isso tem de haver uma decisão ao nível nacional. Faria sentido perguntar aos responsáveis políticos nacionais quais as suas intenções. Há uma secretária de estado da Mobilidade que poderá responder se sempre vai abrir o mercado.
Qual o perfil dominante do cliente da Flixbus?
A nossa experiência nos mercados em que estamos há mais anos diz-nos que concorremos tanto contra os automóveis, como também contra os comboios ou mesmo os aviões. Quando alguém quer ir do ponto A para o ponto B acaba por procurar a opção mais rápida ou mais económica. Por vezes, há quem prefira a opção mais económica à mais rápida. Nós estamos nesse mix… e dependendo da circunstância ou da necessidade podemos ser a opção escolhida, ou não. Acreditamos que a concorrência vai fazer crescer o mercado. O autocarro é um meio de transporte eficiente, mas tem sido coartado, porque em Portugal não há liberdade para operar muitas das ligações possíveis.