A Procuradoria Geral da República (PGR) abriu um inquérito à associação DNS.pt na sequência de informações disponibilizadas por Pedro Veiga, pioneiro da Internet que se demitiu em maio do cargo de coordenador do Centro Nacional de Cibersegurança. Em causa está o facto de a atual líder da DNS.pt ter proposto, enquanto associada da entidade que gere os endereços terminados em .pt, o salário que haveria de auferir enquanto presidente do conselho diretivo.
Na quarta-feira, Pedro Veiga foi ouvido em comissão parlamentar com o objetivo de prestar esclarecimentos sobre os motivos do pedido de demissão que apresentou recentemente. Perante os deputados, Pedro Veiga reiterou o que já tinha tornado público em maio: o pedido de demissão resultou de um protesto contra o facto de Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, não ter procedido à transferência da gestão do domínio de topo de Portugal (o .pt, que é gerido pela associação DNS.pt) para o CNCS.
Na ida à Comissão de Assuntos Constitucionais, na Assembleia da República, Pedro Veiga informou ainda que entregou à PGR informação sobre alegadas irregularidades na gestão da associação DNS.pt.
De acordo com Pedro Veiga, Luísa Gueifão, presidente do Conselho Diretivo da DNS.pt, terá incorrido numa irregularidade ao apresentar em assembleia geral dos associados da associação uma proposta com os «critérios» que deveriam nortear os salários da direção. A proposta foi votada por quase unanimidade, com a abstenção da própria Luísa Gueifão, por «poder haver incompatibilidades resultantes da natureza das questões objeto de discussão».
Depois dessa primeira reunião decorrida em 2013, ficou determinado que a diretora-geral da DNS.pt passava a ter uma remuneração de 4600 euros ilíquidos (antes dos descontos para efeitos de impostos), acrescida da atribuição de um aluguer operacional de uma viatura de serviço com um custo máximo mensal de 600 euros. A mesma ata elenca também as remunerações propostas para outros membros da direção e do conselho fiscal da associação DNS.pt.
O processo de definição de remunerações da direção não é o único ponto controverso apontado à DNS.pt: em 2013, Luísa Gueifão apresentou-se, num notário como «representante designado pela IANA como responsável pela delegação do ccTLD.pt» para efeitos da constituição da associação que gere o domínio de topo de Portugal. A IANA era a instituição internacional que, na altura, geria os domínios de topo dos vários países (.pt em Portugal, .es em Espanha, .br no Brasil, etc.). E a sigla ccTLD.pt diz respeito à gestão do domínio de topo portugês.
A alegada representação da IANA em Portugal, que dá direito à função de associado da DNS.pt, surge várias vezes mencionada nas atas da associação entre 2013 e 2017.
À luz dos estatutos da DNS.pt o alegado «representante designado pela IANA como responsável pela delegação do ccTLD.pt» tem direito às funções de associado, enquanto membro fundador da DNS.pt. Só que, como a Exame Informática apurou no início do ano após confrontar um responsável da ICANN, nunca a IANA teve um representante em Portugal. A ICANN é uma entidade sedeada nos EUA, que gere números do Protocolo de Internet e que hoje integra as funções que antes eram da IANA.
Além de não ter um representante em Portugal, o relacionamento entre a IANA e os diferentes governos aparenta seguir uma lógica inversa à que está descrita nos estatutos e nas atas da DNS.pt. São os diferentes estados que delegam em determinadas pessoas ou entidades a função de representação dos seus interesses junto da IANA e não o inverso.
Em atas relativas às reuniões mais recentes do Conselho Consultivo da DNS.pt, já é mencionada uma profissional da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) que tem as funções de representar Portugal na ICANN e que, por inerência, é também associada da DNS.pt. Nessas atas, Luísa Gueifão é apresentada unicamente como presidente do conselho diretivo da DNS.pt.
Além da FCT, a DNS.pt tem como associados associação de defesa do consumidor DECO e a associação que representa as empresas de comércio eletrónico ACEPI.
A Exame Informática já contactou a direção da DNS.pt com o objetivo de recolher reações ao inquérito iniciado pela PGR.