Jared Cohen, CEO da Google Jigsaw, começou por colocou o dedo na ferida logo no início da sua apresentação no Web Summit com a afirmação de que já não vivemos numa época de advento da tecnologia e sim numa época em que a tecnologia se está a standardizar ou até banalizar. E isso acarreta inevitáveis consequências negativas como o Estado Islâmico passar a recrutar elementos através da Internet ou comunicar através de apps que recorrem à encriptação.
O exemplo é forte, mas também não se poderia esperar menos de uma conferência cujo título era «Como prevenir uma ciberguerra». E, infelizmente, não há uma resposta inequívoca para a questão que o próprio Jared Cohen levantou, até porque o próprio executivo defende que a atual existência de uma polaridade multidimensional dificulta essa tarefa. É que já não há uma espécie de dicotomia entre físico e virtual; em vez disso, há uma espécie de fusão entre ambos. Ou seja, as pessoas passaram a ter uma espécie de identidades múltiplas ao usarem diversos números de telefones, contas de email, apps de comunicação, etc.
Em suma, já não há uma divisão entre físico e digital, antes uma extensão entre eles e isso acaba por refletir-se no xadrez geopolítico mundial e no poderio militar das nações. Os países passaram a estar obrigados a possuir uma estratégia militar de Defesa tanto para a vertente física como para a digital. Foi este fator que, por exemplo, permitiu à Rússia recuperar algum do poderio militar perdido no pós-Guerra Fria e fazer da Coreia do Norte e do Irão maiores ameaças à segurança mundial.
Isto faz igualmente com que as interações entre os países tenham de mudar, mas ainda se vive num primado de ausência de regras, onde não existem respostas unificadas e globais a ciberataques. Um cenário que faz Jared Cohen afirmar que, no futuro, «todas as guerras vão começar como ciberguerras». E, no entender do líder da Google Jigsaw, existem diferentes formas de ciberataque, como os que visam prejudicar a verdade e podem estar encapotados de maneiras diversas: a propagação de notícias falsas; o fomentar dos trolls patrióticos, que, por exemplo, fazem ameaças online a jornalistas; e a criação de paramilitares digitais, que são perfis de utilizadores falsos concebidos para criar desestabilização.
Portanto, a questão que se levanta é: como podemos impedir que este problema escale? Jared Cohen reconhece que é muito difícil que os diferentes países cheguem a consensos, pelo que sugere que se aposte na instrução dos utilizadores e essa informação não deverá chegar apenas de entidades governamentais, mas também de empresas privadas. E a Google está a contribuir para isso de uma forma original: criou uma plataforma para aferir se as conversas mantidas entre utilizadores estão a ser civilizadas, já que considera que «a toxicidade online precede a violência». Ou seja, menos trolls na Internet, menos violência no mundo real.
Outro ponto que Jared Cohen salientou é que os conteúdos são mais importantes que a forma. Explicamos: uma das noções que circula é que o Estado Islâmico é particularmente eficaz no recrutamento online graças aos seus vídeos com produção “hollywoodesca”; os dados da Google apontam noutra direção e referem que os adolescentes são mais suscetíveis ao facto de obterem respostas concretas às suas dúvidas. É, portanto, provável que, a curto prazo, passemos a encontrar respostas diferentes quando pesquisamos temas como “Estado Islâmico” e “recrutamento” – Jared Cohen deu até um exemplo: passarão a surgir mais vídeos de como os terroristas escondem armas em hospitais.