No Irão, a resistência à polícia dos bons costumes e da moralidade faz-se de telemóvel na mão – e uma app que mostra operações stop em mapas de várias cidades. Toda a gente sabe o que é a Gashte Ershad; mas também há uma multidão de jovens que não dispensa a Gershad, uma app que tem no título a contração das duas palavras que denominam a polícia da moralidade iraniana. Por que é que a Gershad tem uma popularidade proporcionalmente inversa à Gashte Ershad? Porque é através desta app que qualquer jovem iraniano consegue, de forma segura, sinalizar para amigos e desconhecidos a localização das pelotões de polícias que verificam se os cidadãos – em especial as mulheres – estão a vestidas de acordo com o cânones definidos desde a revolução dos ayatollahs no final dos anos 1970.
Ninguém sabe quem são os criadores da app – e não é por acaso. A Gershad foi bloqueada por ordem das autoridades iranianas, mas boa parte dos utilizadores terá conseguido contornar os filtros tecnológicos através do uso de redes virtuais privadas, que permitem estabelecer comunicações sem a interferência de terceiros. Face à censura aplicada pelas autoridades, não seria de estranhar que os criadores desta app de resistência sem palavras de ordem ou reivindicações ficassem em apuros caso fossem descobertos.
Entrevistados pela Reuters sob anonimato, os programadores da Gershad enaltecem o potencial das tecnologias para criar soluções que nascem do coletivo e se destinam ao coletivo: «durante anos a polícia da moralidade tem molestado as mulheres iranianas. Evitá-los (aos polícias) nas ruas, nas estações de metro, e centros comerciais é desafiante e cansativo».
No meios de comunicação estatal, já começaram a circular notícias que descrevem a Gershad como uma tentativa de disseminar valores contrários aos da revolução islâmica iraniana. A app anti-polícia-da-moralidade não será a única “dor de cabeça tecnológica” com que líderes políticos e policiais se têm de deparar. Metade da população iraniana tem menos de 25 anos de idade – e há uma grande probabilidade de ter igualmente um telemóvel. O que abre as portas para diferentes ferramentas de comunicação que garantem a privacidade ou evitam as escutas.
Telegram, uma app de mensagens instantâneas, é provavelmente um dos melhores exemplos de sucesso de soluções que operam no telemóvel que beneficiam da liberdade de expressão e da possibilidade de contar piadas ou criticar as autoridades sem ser alvo de censura ou escuta.
Todas estas apps ainda não terão tido o condão de gerar no Irão um movimento equivalente ao das denominadas “Primaveras Árabes”, que tiveram lugar no Egito, Tunísia, Líbia e Síria, mas permanece a questão quantos aos efeitos reais que poderão ter no futuro do regime.
No dia 26 de fevereiro, há eleições. A fação moderada está no governo e tem em Hassan Rouhani, o atual presidente que tem vindo a ganhar popularidade depois de assinar com os EUA um acordo no que toca às armas nucleares, como protagonista. A Gershad não tem qualquer mensagem política explícita, mas não será de estranhar que muitos dos utilizadores da Gershad se revejam mais no atual presidente do Irão que fação ligada a Ali Khamenei, o líder religioso, que assume a missão de guardião do espírito original da revolução iraniana.
Independentemente, dos resultados eleitorais a Gershad já começou a produzir efeito no dia a dia, como confirmam os criadores da app: «Por que é que havemos de desistir do um direito tão elementar como a escolha das roupas que devemos vestir?».