A Comissão Europeia propôs o uso da faixa de frequências entre os 694MHz e os 790MHz para a quinta geração de redes móveis (5G). A recomendação, que só não seguirá em frente se for alvo de um improvável chumbo no Parlamento Europeu, tem o ano de 2020 como prazo fixado… mas a Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom) admite que, devido aos prazos de transposição, a mudança de frequências possa ser levada a cabo até junho de 2022. Com esta recomendação, já não restam dúvidas: As transmissões da Televisão Digital Terrestre (TDT) vão ter mesmo de mudar de frequências na larga maioria dos casos. Os consumidores terão de ressintonizar o sinal nas boxes, e nalguns casos, será necessário substituir antenas que estão nos telhados.
A TDT arrancou em Portugal continental com transmissões no Canal 56 (que ocupa a faixa dos 750MHz aos 758 MHz). Na Madeira, foi adotado o canal 54 (734-742 MHz) e, nos Açores, são usados vários canais 47, 48, 49, 55, e 56 (várias faixas entre os 678 MHz aos 758 MHZ). Com a recomendação da Comissão Europeia, o canal usado inicialmente para a TDT no território continental terá de ser abandonado em definitivo. E o mesmo sucede com o canal usado na Madeira. Nos Açores, tudo depende das frequências usadas: as povoações que usam os canais 49, 55, e 56 terão de passar a recorrer a outros canais, uma vez que estas frequências vão passar a ser usadas na 5G. As populações que usam frequências abaixo dos 694 MHz não terão de fazer esta migração de canal.
No território do Continente, as transmissões da TDT estiveram envoltas em queixas e polémica desde o início – e por isso a Anacom decidiu proceder a alterações na arquitetura da rede que a PT, enquanto empresa que garante a concessão das transmissões da TDT, implementou no terreno. «A rede já está a evoluir para uma rede MFN (rede de frequência múltipla) na sequência da decisão da Anacom de Maio de 2013 que estabelecia que, se existissem problemas na rede SFN (rede de frequência única), a PT tinha que avançar para uma rede MFN para resolver esses problemas», refere a Anacom num e-mail enviado para a Exame Informática.
A Anacom já estava de sobreaviso para a mudança de frequências: em novembro, numa reunião há muito agendada para Genebra, os representantes de vários países (e da Comissão Europeia) confirmaram que a 5G iria usar as frequências entre os 694MHz e os 790MHz. A Anacom confirma que concorda com a escolha desta faixa de frequências – e recorda que já haveria planos para libertar os 694-790MHz quando chegasse a hora de proceder ao denominado «dividendo digital 2», que tem por objetivo atribuir frequências anteriormente usadas em transmissões TV para as novas gerações de redes móveis.
Atualmente, o canal 56 ainda domina largamente as transmissões de TDT no continente – mas já começaram a ser levadas a cabo transmissões de TDT nos canais 40, 42, 45, 46 , 47, 48 e 49. Nas zonas que usam canais abaixo dos 694MHz não será necessário usar frequências alternativas, mas as transmissões nos canais 56 e 49 (a faixa 694-702 MHz, que já foi aplicada depois das queixas quanto à qualidade das transmissões) terão de mudar de frequências.
Luís Correia, investigador do INESC e especialista em comunicações hertzianas, também não tem muitas dúvidas de que a 5G vai mesmo usar as frequências que, até aos dias de hoje, têm sido usadas pela TDT. «É uma consequência de uma decisão tomada por um órgão da Organização Internacional das Telecomunicações (ITU). Não faria sentido que o Parlamento Europeu não desse seguimento a essa decisão. As reuniões da ITU contam com representantes de todo o mundo, inclusive da UE».
Luís Correia recorda ainda que a faixa de frequências projetada pela Comissão Europeia tem a virtude de estar contígua às faixas entre os 790-860 MHz que são já usadas pelas redes móveis. «Foi uma boa escolha. É preciso ter em conta a viabilidade económica. E na 4G e na 5G, só é possível ter viabilidade económica se usarmos este tipo de frequências que permitem ter um equilíbrio entre propagação do sinal e largura de banda», acrescenta o investigador do INESC.
A recomendação da Comissão Europeia pode assegurar a viabilidade económica, mas não dispensa operadores e consumidores de eventuais investimentos. Nuno Borges de Carvalho, investigador do Instituto de Telecomunicações (IT) e professor da Universidade de Aveiro, admite que a PT possa ter de investir em alguns retransmissores, que hipoteticamente, não estejam aptos a funcionar com frequências diferentes. Este cenário é igualmente transponível para os consumidores: «As pessoas que vivem em locais que recebem um sinal de menor potência eventualmente tiveram de investir em antenas de maior ganho. E essas pessoas poderão ser obrigadas a investir em novas antenas para poderem captar a TDT nas novas frequências».
Tipicamente, as antenas de alto ganho são instaladas em zonas mais distantes dos retransmissores ou que, por razões de relevo geográfico, recebem um sinal de TDT com potência reduzida. Nestes casos, as antenas de alti ganho têm a vantagem de “revigorar” o sinal, mas têm uma limitação: funcionam em faixas de frequências muito reduzidas. Nuno Borges de Carvalho acredita que os casos em que é necessário mudar as antenas serão minoritários, mas está convicto de muitas boxes terão de ser “ressintonizadas”, apesar de relativizar os efeitos desse processo. «As boxes já estão preparadas para operar com vários canais. Bastará carregar nos botões para se fazer a ressintonia automática das novas frequências», acrescenta o especialista em redes sem fios da Universidade de Aveiro.
A escolha da faixa de frequências da 5G pela Comissão Europeia tem por objetivo garantir a uniformização de frequências na UE, que poderá evitar interferências entre países vizinhos, e servir de referência para a indústria. «Ainda vão ter de ser desenvolvidos equipamentos de rede e terminais compatíveis com a 5G. E por isso ainda vai demorar algum tempo até termos produtos à venda», sublinha Luís Correia.
Nuno Borges de Carvalho lembra que há dois caminhos que podem ser seguidos pela 5G – e ambos podem exigir tecnologias e frequências diferentes: «Se a 5G tiver como objetivo chegar a um alto débito, que esteja acima de 1 Gbps, terá de optar por outras frequências. A faixa de cerca de 100 MHz (agora recomendada pela Comissão Europeia) não chega para velocidades desse género. Se o objetivo for conectar vários dispositivos, para serviços da Internet das Coisas e comunicações e entre máquinas que podem privilegiar o alcance das comunicações, então já serão usadas frequências mais baixas (como as que foram recomendadas pela Comissão Europeia).
É uma regra elementar nas telecomunicações: as frequências altas permitem grandes velocidades/larguras de banda, mas não permitem alcançar grandes distâncias; as frequências baixas não permitem grandes velocidades/larguras de banda, mas permitem chegar bastante mais longe.
É esta mesma regra que leva Paulo Marques, Investigador no Instituto de Telecomunicações e Professor no Instituto Politécnico de Castelo Branco, a perspetivar o uso de dois conjuntos de frequências nas redes 5G. Num e-mail enviado para a Exame Informática, o investigador recorda que o consumo de vídeo – e até de hologramas – obrigará os operadores e fabricantes das telecomunicações adotarem tecnologias que permitam seguir as tendências.
«A 5G vai necessitar de espetro rádio muito para além do que é possível acomodar com o novo espetro a ser libertado na banda dos 700 MHz. Uma possibilidade é o uso de frequências muito mais elevadas, na banda das ondas milimétricas (entre os 6GHz e os 90 GHz), estas bandas são ainda vistas como “terra de ninguém”, onde a regulamentação ainda está em aberto. Os sinais rádio nessas bandas sofrem de forte atenuação e o desafio aqui é desenhar tecnologia capaz de compensar esse efeito. Fabricantes como a Samsung já demonstram protótipos capazes de operar nestas bandas em cenários urbanos usando tecnologia de múltiplas antenas e femto células (células com 100 m de rádio). A exploração desse espetro na banda das ondas milimétricas parece ser a única alternativa a longo prazo mas acarreta um investimento elevado na infraestrutura da rede móvel com a densificação do número de antenas», conclui o investigador do Politécnico beirão.