Anthony Wheelan é desonhecido do grande público – mas é por ele que passa grande parte do futuro das telecomunicações na UE. De passagem por Lisboa para participar num evento organizado pela sociedade de advogados SRS, o diretor-geral para as Redes, Comunicações e Serviços Eletrónicos da Comissão Europeia (DG Connect) admitiu que, em Bruxelas, há a intenção de avançar para um leilão unificado para o espetro de telemóvel. Nos 700 MHz, que poderão dar nova vida às comunicações móveis, a migração deverá ficar concluído até 2020.
Quando é que todo o processo relacionado com o Mercado Digital Único (DSM) vai estar concluído? Será que vamos conseguir ter um novo mercado no final deste processo?
O DSM é das tais coisas que estão sempre em construção. Há sempre novos desafios, que levantam novas ações em termos de regulação. Será sempre um processo em revisão constante. Estamos agora a deparar-nos com os principais desafios. A Comissão Europeia (CE), que entrou em atividade em novembro de 2014, determinou que todas as propostas deveriam ser apresentadas até meados de 2016. Queremos estar muito focados nesses desafios principais e queremos dar uma resposta ainda no mandato desta Comissão, provavelmente, até meados de 2019. Nalguns casos, será muito mais cedo. Na semana passada, apresentámos propostas nos contratos digitais, e na portabilidade de conteúdos e subscrições através das fronteiras (UE). Vamos apresentar propostas para o audiovisual, e para as transmissões (de TV ou rádio) até meados do próximo ano. E vamos apresentar propostas para reformar as regulações das telecomunicações – também até meados de 2016. Estamos a preparar uma iniciativa de grande dimensão para as Clouds europeias, e também para as infraestruturas do futuro. Ainda em a meio de 2016 virá a reforma dos direitos de autor. O nosso objetivo é dar resposta em várias frentes e colocar os legisladores a trabalhar em consonância com o ritmo da economia digital. Temos de nos mexer rapidamente, porque estes mercados mudam rapidamente e por vezes perde-se vantagens concorrenciais enquanto debatemos e tentamos fazer ajustes.
Tendo em conta o tempo que demorou o dossiê do roaming, essa agenda não será demasiado ambiciosa?
Temos de relativizar um pouco estas coisas. A CE queria que o fim do roaming fosse mais rápido, mas … entre a nossa proposta em setembro de 2013 e o acordo político em setembro de 2015, até podemos considerar que foi rápido, para os standards europeus. Tivemos de fazer um caminho acidentado. Até queremos aproveitar experiências como esta para poder dizer aos legisladores: «Vejam, é possível reagir rápidamente quando se percebe a importância». Em abril de 2014, sete meses depois de termos apresentado a nossa proposta, o Parlamento Europeu (PE) tomou as primeiras posições. Isto deveria ser bastante mais comum. Os estados-membros demoraram um pouco mais… O acordo foi alcançado, mas ainda há alguns passos a dar. Temos de reformar o segmento grossista das telecomunicações (que regula os custos de tráfego entre operadores), temos de definir políticas de uso responsável. Ainda não está terminado, mas já temos o acordo político do PE e dos estados membros para que em junho de 2017 este dossiê esteja fechado. Não imagino sequer que se volte atrás…
Faria sentido criar uma agência reguladora das telecomunicações na UE?
Devemos evitar a ideia um pouco simplista de que uma agência europeia para as telecomunicações significa que haverá apenas um único operador. Os reguladores nacionais têm conhecimentos de âmbito local; têm muitos conhecimentos técnicos; têm conhecimento sobre espetro e redes. São pessoas como estas que fizeram os mapas das infraestruturas de telecomunicações nas cidades portuguesas. Está fora de questão substituir estas competências ao nível europeu. É um recurso vital. A questão é: como podemos aproveitar os recursos dos reguladores nacionais e garantir que podemos ter posições comuns na UE nas áreas em que são necessárias essas posições. Recentemente, adotámos regulações sobre a neutralidade da Internet. Toda a gente concordou que era melhor ter regulamentos comuns. Queremos que o quadro de regras que vai estar na base da economia digital da UE seja comum. Os legisladores atribuíram ao BEREC (organização que reúne os reguladores de telecomunicações da UE) a missão de definir as linhas orientadoras… Um exemplo: referimos que era possível dar prioridade a um tipo de tráfego se estivesse em causa a qualidade do serviço prestado ou da rede. Mas são os reguladores nacionais que têm de dizer o que se deve fazer para ter otimização de rede, ou eficiência técnica. Mas há outras áreas…
… como na gestão do espetro!
É um bom exemplo! A atribuição do espetro através de leilões é um processo muito complexo. Há reguladores que ganharam experiência a lançar leilões, mas nalguns casos, houve leilões que correram muito mal e estavam errados, devido à forma como foram desenhados. É uma área que necessita de mecanismos mais efetivos para a adoção das melhores práticas. Consideramos que as melhores práticas vêm de quem tem a experiência, que são as entidades que já lançaram leilões. Mas precisamos de um mecanismo de juntar essas entidades e de garantir que as melhores propostas são adotadas.
Consegue dar exemplos de alguns leilões que correram mal?
Posso dar alguns exemplos sem citar nomes ou países: se tiver um leilão, que é desenhado de uma forma que leva os operadores a investirem muito mais que o valor que atribuem ao espetro, então teremos uma situação em que os operadores não têm um vínculo às licitações. Nesse caso, podemos ter um sistema que leva a uma espiral de preços até ao infinito – e nalguns casos, o leilão tem de ser cancelado, porque deixou de ter qualquer relação com a realidade. Podemos ter leilões que desenhados de uma forma que não evita a cartelização de propostas… o que poderá levar uma companhia a ter uma abordagem agressiva, enquanto outra tem uma abordagem menos agressiva para a concorrente garantir um determinado preço do leilão.
A UE vai ter uma gestão de espetro unificada?
A ideia é que organizemos um único leilão europeu para as comunicações móveis terrestres, mas não é uma ideia para executar no imediato. O mercado está muito dividido e mesmo os maiores operadores europeus não têm essa pretensão. Nas áreas onde há comunicações de abrangência europeia, como o satélite, é possível ter uma discussão desse género. Mas para as comunicações móveis trata-se mais de partilhar as melhores práticas para evitar catástrofes e também uma convergência em torno de objetivos que temos em comum. Todos os estados membros querem ter uma grande cobertura de comunicações móveis. Também consideramos que é importante, não só porque é bom para a população, mas também para fins industriais. Os carros conectados (às redes de telecomunicações) vão ser mais prósperos na Europa se houver cobertura nas estradas europeias… Na Alemanha, no leilão dos 700 MHz foi contemplada a cobertura para as principais estradas. Até agora, os requisitos de cobertura incidiam sobre a população; o que faz sentido. Mas na França, a banda dos 700 MHz, os requisitos incidem sobre as redes de transportes públicas dos subúrbios das maiores cidades. Estas são algumas formas de fazer leilões que garantem uma conectividade integral e que gostávamos que se expandissem de forma alargada.
Vamos assistir a uma harmonização das frequências usadas nos vários países da UE?
Temos espetro suficiente para serviços de comunicações e banda larga sem fios. Este espetro deveria proporcionar economias de escala. Se eu usar as frequências de 500 MHz, e os meus vizinhos usarem as frequências de 600 MHz e 700 MHz, todos vamos acabar por comprar equipamentos mais caros…
… essa é apenas uma parte da questão. Há três ou quatro anos, as regiões raianas de Portugal não podiam ter 3G ou 4G porque causavam interferências com as transmissões de TDT espanholas, que usavam as mesmas frequências na banda dos 800 MHz!
Se todos os estados usarem frequências diferentes, vamos acabar por assistir a interferências junto às fronteiras – e nalguns casos as interferências vão muito além das fronteiras. Depende da potência dos retransmissores. A Alemanha tem fronteiras com sete ou oito países e estão em processo de negociações bastante complexas, porque esses países vizinhos não estão ainda na fase de implementação das frequências dos 700 MHz. Queremos que a transição para os 700 MHz seja feita de forma organizada para que esteja concluída até 2020. É um objetivo real. Vamos apresentar uma proposta legislativa em janeiro ou fevereiro com esse objetivo.
Porquê os 700 MHz?
Já tínhamos feito o mesmo nos 800 MHz. Ficou conhecido como o dividendo digital rápido. Os países evoluíram a diferentes ritmos da TV analógica para digital; como vimos há pouco, Portugal foi mais rápido que em Espanha. Havia benefícios em libertar algum desse espetro para a banda larga. Entretanto, a procura por largura de banda não parou de aumentar. E os 700 MHz tornaram-se uma banda universal na região Ásia Pacífico e também tem sido muito usada na América Latina para lançar serviços de banda larga. O que significa que há equipamentos disponíveis (nos fabricantes) que permitirão à UE expandir as suas redes, beneficiando de economias de escala. O que nos vai permitir fazer a migração dos serviços de TV para banda larga nos 700MHz até 2020. Porquê 2020? A TDT é mais importante nuns países que noutros…
É provável que Portugal conste no grupo dos países onde a TDT tem menos importância!
Sei que (a TDT) está disponível em Portugal, mas pelo que li, não deverá ter um papel muito importante, tendo em conta as quotas que os serviços cablados (de TV) têm na atualidade. E portanto, temos de esperar ainda algum tempo para que os países, onde a TDT tem grande importância, possam fazer o upgrade para que os equipamentos de transmissão de dados usem normas mais eficientes, e consigam melhores compressões de dados e ocupem menos espetro para prestar serviços equivalentes.
Estamos a assistir a uma corrida ao espetro? Será que há espetro suficiente para as pretensões dos diferentes opradores?
Depende da banda de frequências. A banda dos 700 MHz tende a ser muito atrativa porque garante boa cobertura com poucos retransmissores. E também é útil nas cidades porque consegue penetrar em edifícios. Nos 3,4 GHz e 3,6 GHz, há países que têm maior procura que noutros países. Tudo depende da procura. Se toda a gente de um país andar o tempo todo a usar o smartphone a procura será diferente de outro país em que apenas metade da população usa o smartphone. Há diferenças nos vários países, mas vemos todos estes países no sentido de crescimento da procura. No 5G, vão ser usadas frequências bem mais altas: 30 GHz e para lá disso. Foi isso que saiu da conferência de Genebra da Organização Internacional das Telecomunicações (ITU), que se realizou em novembro.
Como é que explica que o setor das telecomunicações seja, ano após ano, o campeão das reclamações dos consumidores?
Estes serviços são muito complexos. A qualidade de serviço depende de vários fatores, e muitos deles não são controlados pelo operador. Se eu for a única pessoa a usar o célula móvel, então terei um serviço com uma qualidade fantástica. Se centenas de pessoas estiverem a ver um concerto rock provavelmente terei um serviço com pouca qualidade. A capacidade das redes não é definida tendo em conta estes situações extremadas como estas duas. O serviço não será sempre idêntico (em todo o lado). Não sei como será em Portugal, mas seguramente também há anúncios que referem acessos à Net «até x MegaBits por segundo» e muitas vezes não se tem nada parecido com isso. No interesse dos operadores – e não só apenas no interesse dos consumidores – era preferível que houvesse um pouco mais de realismo nos serviços que são anunciados.