No verão de 2012, José Jerónimo Rodrigues entra pela primeira vez nos laboratórios da Google de Nova Iorque. À sua espera tem um desafio que a própria equipa da Google não tinha conseguido resolver nos 12 meses anteriores: criar um sistema de reconhecimento de carateres em cartões de crédito.
Parece simples, num mundo em que a sigla OCR tende a banalizar-se, mas é bastante mais complexo: «Nos cartões de crédito a imagem de fundo geralmente não é branca e além disso altera muito com a luz, produzindo reflexos», explica José Jerónimo Rodrigues, aluno de doutoramento do Programa Carnegie Mellon (CMU) Portugal e especialista em visão computorizada.
O jovem português dispunha de três meses não só para alcançar um objetivo que a equipa interna do Google não tinha logrado como também para superar a concorrência, que já dispunha de uma ferramenta que permitia associar, com relativa morosidade, um cartão de crédito a um sistema de pagamentos por telemóvel, através do reconhecimento de carateres em cartões de crédito. «Muito antes dos três meses já tinha conseguido criar uma forma de reconhecimento dos carateres dos cartões de crédito (através da câmara de um telemóvel)», recorda o investigador português, que está em vias de concluir o doutoramento lecionado de forma articulada pela CMU e o Instituto Superior Técnico.
O sucesso nesta primeira missão teria sido suficiente para abrir as portas da maioria das multinacionais tecnológicas – e a Google não escaparia à regra. Só que José Jerónimo tinha outros planos: «queria ter diferentes experiências para, mais tarde, poder escolher o sítio onde irei ficar», responde.
Foi com um argumento similar que José Jerónimo deixou a Qualcomm no primeiro estágio para doutorandos que arranjou depois de chegar à Terra do Tio Sam, ainda em 2011. Dessa vez, o estágio teve por objetivo a participação em tecnologias de realidade aumentada para telemóveis, que permitem ilustrar um produto que se encontra dentro de uma embalagem à venda no supermercado ou ativar um trailer de um filme através do reconhecimento da capa de um DVD.
A ronda pelos estágios de verão que as grandes marcas norte-americanas costumam promover junto dos melhores crânios académicos só ficou concluída com uma passagem pelos laboratórios da Honda. Com a colaboração com os laboratórios da marca japonesa, o jovem investigador pôde dar largas a um projeto que vinha desenvolvendo, desde 2010, com o objetivo de dotar robôs industriais da capacidade de reconhecimento de um objeto e respetivas formas geométricas, através da prévia captação de imagens por uma câmara (em princípio incorporada no robô).
A nova funcionalidade pode ser especialmente importante nos cenários em que os robôs são usados em ambientes industriais e têm de manipular peças iguais. Com a solução desenvolvida por José Jerónimo Rodrigues, o robô apenas tem de “filmar” uma peça para fazer o reconhecimento de todas as outras que sejam iguais. «Funciona com quase todos os objetos. Apenas nos objetos planos e com figuras geométricas simples poderá ter alguma dificuldade em fazer o reconhecimento», explica.
Fora dos estágios nos gigantes, José Jerónimo Rodrigues foi prosseguindo com o doutoramento nos laboratórios da CMU. E foi aí que conheceu o búlgaro Rosen Diankov, investigador que se encontrava numa fase mais avançada do doutoramento. Desse encontro nasceu mais uma nova oportunidade de trabalho para o jovem português.
De malas aviadas para lançar uma startup, Diankov parte rumo ao Japão. Quando chega a hora de contratar um especialista em realidade computorizada, nem hesita: o jovem português cujo trabalho deu origem a três patentes na Google, Honda e Qualcomm e que conseguia reduzir uma tarefa de reconhecimento de objetos de quatro minutos para meio segundo, era “a“ pessoa.
O convite não demorou muito mais tempo a chegar às mãos de José Jerónimo Rodrigues. no verão, o jovem português parte para o Japão para trabalhar na recém-criada Mujin. Não será apenas uma estada de três meses: «Vou para lá trabalhar a tempo inteiro e terminar o doutoramento enquanto lá estou, tirando partido do facto de lidar com informação que é útil para fazer a tese. A ideia é ficar lá, pelo menos, dois anos».
José Jerónimo diz ter um perfil de CTO, mas não descarta um dia criar uma empresa. Regressar a Portugal faz parte dos seus planos, nem que seja para manter o contacto regular com a família. No que toca à carreira profissional, o futuro terá sempre de passar por outras latitudes: «Gosto muito do meu país, mas especialista em robótica que queira criar produtos e não se contente com tarefas de manutenção tem dificuldade em arranjar trabalho aqui».
Nesta página, pode ver um vídeo com a demonstração da tecnologia que José Jerónimo Rodrigues ajudou a criar na Qualcomm.