Quatro pessoas durante três dias. Foi tudo o que os primeiros elementos do estúdio português da empresa de videojogos Lockwood Studios conseguiram conviver antes do primeiro grande confinamento, em março do ano passado. “Não voltámos a estar juntos, mas continuamos a juntar pessoas à equipa, agora somos 14 pessoas nas mais variadas áreas. Começámos mais ligados à arte e passámos também para desenvolvimento”, começa por contar Ricardo Flores, líder do estúdio lisboeta da Lockwood Studios.
Tal como a Exame Informática tinha noticiado em fevereiro do ano passado, a tecnológica escolheu Portugal, mais especificamente Lisboa, para criar uma equipa que terá um total de 30 funcionários – ao longo de 2021 deverão ser recrutadas mais oito pessoas. Lançado originalmente em 2013, Avakin Life permite aos utilizadores terem uma vida virtual e tem vindo a ganhar adeptos desde então. Com a pandemia, tudo acelerou e uma componente deste sucesso é justamente o trabalho que está a ser desenvolvido em Portugal.
É a unidade lisboeta que está responsável pela chamada “componente de música”, que envolve o desenvolvimento de concertos online para milhões de jogadores. Ou seja, produz os eventos, desenvolve os conteúdos necessários para aqueles espetáculos e também trabalha na divulgação dos mesmos. É ainda a equipa portuguesa a que está responsável pelo Infinity Club, a ‘sala de espetáculos’ residente de Avakin Life, na qual há eventos duas vezes por mês.
No início de novembro de 2020, a dupla de disco-jóqueis (DJ) Lucas de Wert e Steven Jansen, mais conhecida por Lucas & Steve, deu um concerto dentro do jogo. Ao todo, somando o evento principal e as repetições, 3,2 milhões de jogadores assistiram à performance da dupla holandesa, segundo dados de Ricardo Flores. “E no fim de ano, fizemos com o brasileiro DJ Lyus uma festa que teve praticamente dois milhões de utilizadores, teve um sucesso brutal”, acrescenta o porta-voz da empresa em Portugal.
Os espetáculos funcionam numa lógica de salas privadas. Cada sala suporta até 12 jogadores – podem ser amigos, podem ser desconhecidos, tal como num bar ou numa discoteca –, sendo que a reprodução do concerto acontece em simultâneo para todas estas salas. Na prática, Avakin Life não funciona de forma muito diferente de Fortnite – nos mega concertos dados dentro do jogo sensação, cada ‘sala’ alberga um máximo de 100 jogadores, sendo que no último espetáculo estiveram mais de 12 milhões de pessoas a assistir em simultâneo.
Como a componente de música tem resultado bem, a Lockwood Studios está agora a preparar uma solução ‘chave na mão’: em vez de ser a empresa a montar tudo o que é necessário para um concerto, poderão ser os próprios artistas a fazê-lo. Depois podem usar, por exemplo, as suas redes sociais para divulgarem o evento e têm assim uma nova forma de interagir com os fãs.
“Queremos acabar por ser conhecidos por jovens talentos que possam ter aqui o seu palco e geri-lo. Vamos ter deeplinks [hiperligação para um conteúdo específico] que te levam para o sítio certo dentro do jogo. (…) Há DJs que estão em Portugal e que estão interessados. Temos trabalhado muito com DJs, querem saber como funciona”, adianta Ricardo Flores.
Efeito pandemia
No início do ano passado, Portugal tinha uma média de 30 mil jogadores ativos, por dia, em Avakin Life. Com a pandemia, o número superou os 100 mil. A nível global, são cerca de três milhões os jogadores diários. Números que para o veterano dos videojogos têm uma explicação.
“É um jogo social, é uma plataforma social. A pandemia fez com que crescesse, precisamente por ser um sítio onde as pessoas podem encontrar-se umas com as outras, podem fazer coisas em conjunto. Acabámos por criar elementos que não tínhamos, como abraços e danças em conjunto. Este tipo de coisas fomos introduzindo e fomos tendo um sucesso enorme, porque se calhar hoje não as podemos fazer no mundo real”.
Neste universo virtual, quase 70% dos jogadores apresentam-se como sendo do género feminino e o público entre os 12 e os 25 anos é dominante. “Temos a clara noção dos desejos que têm, da moda que gostam, da música que consomem. Cada vez que usamos k-pop tem adesão”, exemplifica Ricardo Flores.
Em Avakin Life, disponível para dispositivos Android e iOS, existe uma forte componente de cosmética – seja no aspeto da própria personagem, nas roupas que veste ou nos imóveis que detém. São itens que os jogadores podem comprar dentro do jogo com a moeda virtual Avacoins, que por sua vez pode ser conquistada no próprio jogo ou comprada em pacotes com dinheiro ‘real’. O crescimento do jogo, o público-alvo e a própria jogabilidade – quase como ter uma segunda vida, mas num mundo totalmente digital –, está a começar a atrair o interesse de grandes marcas.
Dentro de algumas semanas, a marca de lojas de produtos de cosmética O Boticário vai abrir uma loja digital dentro do jogo, na qual vai vender produtos virtuais, mas que são fisicamente semelhantes aos produtos reais. A loja estará aberta durante cinco a seis semanas, a partir de meados de fevereiro. Depois a loja desaparece, mas os produtos continuam a existir no universo de Avakin Life. “São itens virtuais, em tudo idêntico às coleções reais. (…) O projeto terá um foco mundial, estamos a desenvolver uma loja d’O Boticário dentro do jogo. Vão existir desafios semanais que os jogadores terão de fazer dentro da loja e noutras áreas de jogo”, adianta Ricardo Flores.
No final, a Lockwood Studios quer que, mais do que um jogo, mais do que uma rede social, Avakin Life seja um “novo meio de comunicação”, um mundo virtual no qual as pessoas queiram passar tempo. “Acho que [com a pandemia] abriu-se uma porta. Não estou a dizer que um concerto ou festa virtuais substituem os reais, mas tens um espaço [virtual] e as pessoas perceberam o que podem fazer nele”.