Às 3h00 da manhã, a maioria das pessoas está a dormir, mas Carlos Eugénio, diretor executivo da Visapress, já foi acordado por mais de uma vez com notificações no telemóvel de um grupo do Telegram. “Muitas vezes é a essa hora que começam a ser disponibilizados os jornais do dia”, refere o diretor da entidade que gere os direitos de autor de órgãos de comunicação social.
Jornais & Revistas PT é o grupo de Telegram em causa. Tem mais de 10 mil membros. Todos eles unidos num único propósito: “sacar” à borla e à margem da lei as notícias, reportagens, crónicas ou entrevistas que os jornais e revistas publicados em Portugal tentam vender para manter-se no ativo.
Público, Jornal de Notícias, Visão, Record, A Bola, Expresso, Correio da Manhã, National Geographic e até os mais variados suplementos comerciais podem ser encontrados no grupo de utilizadores Jornais & Revistas PT. Como seria de esperar, a Exame Informática também consta no extenso rol de vítimas que, neste caso, pouco mais podem fazer senão contentar-se com o facto de a pirataria ser também um sinal de interesse. “Já tentámos estabelecer vários contactos com o Telegram, mas nunca recebemos resposta”, refere Carlos Eugénio.
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2020/04/jornais-e-revistas-PT-telegram.png)
O Telegram iniciou a senda comercial nas plataformas de mensagens instantâneas de nova geração, que prometem encriptação e confidencialidade, com o apadrinhamento do magnata russo Pavel Durov, que a Forbes estima pertencer ao grupo das 1500 pessoas mais ricas do mundo.
No dia-a-dia, Pavel Durov não precisará de ler jornais em português ou de piratear notícias que deveriam ser só para subscritores, mas poderá, em breve, ter de dispensar alguma atenção aos títulos publicados no extremo oposto da Europa.
“Neste momento de pandemia, está tudo parado. Mas, depois deste período, contamos reunir com o Movimento Antipirataria na Internet (MAPINET). Tendo em conta a escala a que chegou a partilha dos mais variados conteúdos poderemos avançar para uma ação mais musculada. Caso não seja possível, avançaremos sozinhos”, explica Carlos Eugénio, deixando mais uma promessa: “se conseguirmos identificar alguma das pessoas que usam o grupo avançamos com queixa-crime”.
Jornais & Revistas PT pode ser o maior grupo especializado, mas não é o único: talvez para tirar partido da semelhança do nome, há ainda o Revistas & Jornais, que conta com mais de 5000 utilizadores do Telegram. E, numa coincidência que leva a crer num potencial franchising, há ainda o grupo Jornais & Revistas Internacionais, com mais de 4600 membros. Estes três grupos estavam abertos e pesquisáveis até há bem pouco tempo – mas agora, aparentemente, só aceitam membros mediante convite.
Pirataria Internacional
Aos grupos aparentemente criados em Portugal, há que juntar ainda os efeitos produzidos por sites como o Jornaleiro (mais de 24 mil membros), proveniente do Brasil, e outros que chegam a vários idiomas e que também distribuem os títulos portugueses em grandes quantidades.
Pela lei nacional, tanto quem distribui como quem descarrega jornais e revistas piratas está a cometer um crime punível com um máximo de três anos de prisão. O que levanta a questão: o que é que leva alguém a dedicar-se a quebrar os sistemas anticópia implementados pelos órgãos de comunicação e, nalguns casos, a ter paciência e tempo livre para copiar página a página os conteúdos de jornais e revistas portugueses para os disponibilizar à comunidade?
![](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/5/2020/04/piratas-telegram.png)
“Há muitas revistas que são distribuídas com printscreens… o que leva a crer que há pessoas que se dedicam de forma profissionalizada a este tipo de pirataria, apesar de, aparentemente, não lucrarem com isso. Não se consegue perceber qual o modelo de negócio… parece que apenas querem destruir o mercado”, refere Carlos Eugénio, numa ilusão à inexistência de cobrança de subscrições ou publicidade.
Durante esta conversa com vista para os grupos piratas do Telegram, é apontado mais um grupo de potenciais beneficiários: “este tipo de grupos também pode ser útil para todas aquelas entidades que teriam de pagar para ter clippings (seleções de notícias por temáticas) e que assim deixam de ter de os pagar”.
Carlos Eugénio não tem dúvidas de que, no final do dia, são as empresas que produzem os jornais e revistas que ficam mais pobres – mas lembra que o ecossistema vai muito além dos órgãos de comunicação social. “Este tipo de crime também afeta muitas gráficas e, tendo em conta os números da VASP, cerca de 10 mil pontos de venda de jornais e revistas”, acrescenta o responsável da Visapress.
“Com a aplicação de bloqueios, as pessoas já não têm a desculpa de que não sabiam de que estavam a visitar um site pirata.
Carlos Eugénio, diretor da Visapress
Ainda não houve um suspeito identificado que permitisse lançar um processo-crime, mas há pelo menos um dos membros mais profícuos destes grupos de Telegram que já merece o título de “velho conhecido” ou, pelo menos, de “grande coincidência”.
ArdinaPT é um dos fornecedores regulares do grupo Jornais & Revistas PT – e para Carlos Eugénio há uma probabilidade nada desprezável de se tratar do autor do site Ardina.news, que foi interditado no mercado português em 2019, ao abrigo do Memorando de Entendimento Antipirataria que tornou possível o bloqueio de sites manifestamente piratas por via administrativa. Mesmo bloqueado, o Ardina.News não deixou de operar. Até porque há sempre internautas dispostos a tentar a sorte com a alteração de DNS (o sistema de domínios de topo) ou com o recurso a proxys que mascaram a proveniência do acesso à Net e assim impedem a aplicação dos bloqueios tecnológicos solicitados pelos representantes dos direitos de autor à Inspeção Geral de Atividades Culturais (IGAC).
Ao contrário dos grupos de Telegram, no Ardina.News a fonte de receitas é notória: tem origem na publicidade, que é angariada e cobrada como se fosse um órgão de comunicação convencional, mas que não tem os custos com recursos humanos especializados, equipamentos, deslocações, redações, advogados para defender o direito a informar e ser informado, ou IRC e a Segurança Social, que os jornais e revistas têm de suportar.
Carlos Eugénio promete continuar a lutar contra a pirartaria, mas recorda que a mudança de paradigma depende essencialmente dos leitores. “Com a aplicação de bloqueios, as pessoas já não têm a desculpa de que não sabiam de que estavam a visitar um site pirata. Estes consumidores só recorrem a conteúdos ilegais se quiserem. Em contrapartida, quem cria estes sites ganha dinheiro com publicidade. Se as pessoas deixarem de visitar, estes sites acabarão por definhar”, conclui Carlos Eugénio.