Os eletrodomésticos são iguais na Internet ou na loja. Mas nas lojas não costuma haver queixas de máquinas de lavar roupa ou loiça que são compradas, mas não são entregues. No comércio eletrónico, estes casos também estão longe de fazer a maioria – o que não significa que nunca tenham acontecido: entre 2014 e 2015, deram entrada na Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE) mais de 400 queixas contra uma loja online que vendia eletrodomésticos, chegava a receber mais de mil euros de avanço, mas não entregava os equipamentos em casa dos clientes. Os inspetores da ASAE apresentam o caso como ilustrativo dos riscos a que um consumidor se pode expor numa compra online, caso não tome as precauções necessárias: «Essa empresa tinha preços muito apelativos e costumava surgir nos comparativos de preços. O consumidor deve sempre ter cuidado com os preços muito baixos».
Os cuidados de consumidor online podem pertencer ao senso comum, mas nem sempre estão frescos na memória na hora de fazer uma compra na Internet. O que ajuda a explicar o crescendo das queixas relativas ao comércio à distância (onde se incluem o comércio online) que foram apresentadas nos últimos tempos na ASAE: em 2014, foram fiscalizados 84 operadores económicos que operam nas vendas à distância; em 2015, a contabilidade efetuada até 15 de outubro revela que já foram fiscalizados 136 operadores económicos (cada operador pode originar mais de uma queixa).
Em 2014, foram registadas na ASAE 877 denúncias relativas às compras à distância; entre 1 de janeiro e 15 de outubro de 2015 já deram entrada 746 denúncias. Na sequência das fiscalizações e das 1623 queixas apresentadas desde o início do ano passado, a ASAE iniciou 102 processos de contraordenação em 2014 e 65 processos de contraordenação em 2015.
Questionada pela Exame Informática, a ASAE explica que, entre as principais infrações detetadas no comércio eletrónico e vendas à distância, se encontram «a falta de fornecimento ao consumidor em tempo útil e de forma clara, informação pré-contratual obrigatória, falta de cumprimento da encomenda no prazo de 30 dias, falta de informações obrigatórias prévias ao consumidor».
A ASAE apenas pode atuar em casos que envolvam empresas que procedem à venda de produtos ao público (os litígios resultantes de vendas entre indivíduos têm de ser resolvidos em julgados de paz ou tribunais).
Apesar de poder aplicar coimas, a ASAE não tem competências para levar empresas e consumidores a chegarem a acordo, ou impor devoluções de dinheiro ou encomendas. E mesmo quando é penalizada com coimas, a empresa pode não abandonar as más práticas. Um exemplo: uma loja de moda foi punida pela ASAE com 15 mil euros de coima por sistematicamente não entregar os produtos comprados na Internet. Apesar de mais de 500 queixas, a loja pediu recurso para uma autoridade administrativa… e ainda hoje mantém a atividade: «todos os dias recebemos queixas relativos a essa loja», referem alguns inspetores da ASAE.
Além de coimas entre 250 e 30 mil euros, a ASAE também pode investigar ilícitos que são punidos não só com multas como também com penas de prisão que podem ter a duração de três anos. A contrafação, a especulação em torno de bilhetes de espetáculos, a venda de suplementos alimentares falsificados ou que não respeitam os procedimentos são algumas das atividades classificadas como crime que podem ser punidas com penas de prisão.
A ASAE está apostada em reforçar a fiscalização do comércio eletrónico, mas recorda que boa parte dos litígios pode ser evitada, se os consumidores tiverem em conta algumas boas práticas que evitam dissabores.
Eis algumas dicas fornecidas pelos especialistas da ASAE:
1 – Quando compra num site estrangeiro aumentam as probabilidades de não conseguir fazer valer os seus direitos em caso de litígio (ou porque as leis e a jurisdições são diferentes; ou porque simplesmente se torna mais caro e moroso apresentar queixa às autoridades locais para fazer valer os direitos). A ASAE não recomenda que se deixe de comprar produtos em sites estrangeiros, apenas lembra que o risco é maior… o que talvez deva ser tido em conta especialmente em sites desconhecidos.
2 – Sempre que possível enverede pela opção aquando da entrega do produto
3 – Desconfie dos preços estupidamente baixos
4 – Tente ver se o site apresenta uma morada, um número de telefone; e verifique se aceita cheque (o que facilita em caso de litígio); caso não haja informação suficiente, tente trocar informação até apurar os dados como a morada, contactos de telefone, nomes de responsáveis e donos de empresa, processos de entrega, etc.
5 – A forma como o texto está escrito é reveladora do profissionalismo da empresa… e pode ser suficiente para distinguir um site idóneo de um embuste criado na hora por alguém que mal domina os idiomas em que o site está escrito.
6 – Verifique se o NIB que usa para a transação é o mesmo da empresa/pessoa com quem está a fazer negócio. Este fator pode ser determinante para, mais tarde, reaver o dinheiro… e mais importante: pode ajudar a detetar que alguém pretende eliminar o rasto ao dinheiro das vendas em Portugal
7 – Os litígios resultantes de negócios feitos entre indivíduos (exemplos: compra de um artigo anunciado numa rede social ou num site de classificados; uma estada numa casa de férias descobertas na Net) são resolvidos em julgados de paz, centros de arbitragem, ou tribunais cível – e a ASAE não pode atuar nestes casos.