Armando Vieira não tem pretensões de Casanova ou Marialva, mas tornou-se num sucesso entre os autores autopublicados em Portugal, depois de escrever a “A arte de fazer amor”. Desde o início do ano vendeu mais de 3000 livros. Pelo meio, chegou a liderar a Google Play brasileira. Apesar de cada livro custar 4,99 euros e do estatuto de ilustre desconhecido do mundo editorial, o analista financeiro com formação em física acredita que o seu manual que ajuda a compreender as mulheres pode fechar o primeiro ano de vendas na Internet com mais de 5000 vendas.
Sobre o sucesso alcançado depois de recorrer à plataforma Escrytos, da Leya, começa por apontar razões de ordem cósmica: «Como físico, um dia questionei-me se não conhecíamos melhor os objetos a milhões de anos-luz de distância do que as pessoas do sexo oposto e com quem convivemos a maior parte das nossas vidas». Quando chamado à Terra pelo jornalista que lhe pergunta se acha que o público, em geral, não domina a arte do amor, responde: «Pelas vendas do livro parece-me bem que não».
À primeira vista, as plataformas de autopublicação teriam tudo para se tornarem numa ameaça comercial às editoras, mas a Leya não teve receio de seguir as tendências e lançar a Escrytos, em dezembro de 2012. «A autopublicação não transforma per si os cânones da literatura. É apenas um meio complementar para quem quer colocar o seu original diretamente acessível ao leitor sem que um editor possa ou não avaliar e melhorar o dito original. Não há efeito de substituição. Estas novas plataformas apenas complementam os processos que já existem e deixam na mão do leitor o possível êxito ou não», refere Pedro Sobral, Diretor de Marketing da Leya.
A escrita da Escrytos
A Escrytos não vende livros, mas disponibiliza ferramentas de edição e dá acesso direto à maioria das grandes livrarias on-line portuguesas e internacionais. No final de setembro, mais de 1485 autores estavam registados na Escrytos. Na mesma data, 225 livros tinham sido autopublicados – e esses mesmos livros já tinham sido visitados por 196 mil vezes.
Nem todas as visitas às páginas dos livros redundam em compras, mas podem dar o empurrão que falta para o início de uma carreira. Pelo menos é essa a esperança de Joana Ribeiro Rebelo, gestora de contas de clientes de um banco no Porto, hoje em licença sem vencimento em Leamington, Reino Unido, e professora e intérprete ocasional para a língua portuguesa.Seis meses depois da publicação na Escrytos, o livro “O pato que não queria voar”, que é dedicado à filha mais velha de Joana Ribeiro Rebelo, superou os 100 exemplares vendidos, figurando entre os três mais procurados na plataforma da Leya.
As vendas estão longe da de um qualquer título de Saramago ou Lobo Antunes, mas não esmorecem o otimismo da jovem autora de histórias infantis: «Tenho a ideia de que se tivesse publicado numa editora tradicional não teria vendido tanto em seis meses».
As editoras tradicionais, que só vendem livros de “papel e tinta”, dificilmente conseguem ter a mesma agilidade das editoras especializadas em livros eletrónicos. A partir da sua condição de emigrada, Joana Ribeiro Rebelo ilustra o que passa com boa parte da diáspora: «sempre que quero ler algo em português, opto por eBooks. Basta comprar e, em segundos, o livro está disponível para ler».
Livros de desconhecidos
À semelhança de Joana Ribeiro Rebelo, Gonçalo Poças também recorreu à Escrytos antes de tentar a sorte no circuito tradicional. Mas enquanto a autora portuense nunca chegou a ponderar uma publicação no circuito tradicional, Gonçalo Poças, que chegou ao segundo lugar de vendas na plataforma da Leya com "Um livro para ler na praia", optou pela autopublicação por uma razão de contingência: «Hoje, é muito difícil autor desconhecido publicar um livro de pequenos contos numa editora tradicional», diz.
Gonçalo Poças, formado em comunicação e ex-gestor de eventos, admite que a venda de mais de 100 exemplares em cinco meses não chega para ganha-pão. Até porque cada livro é vendido a 99 cêntimos.
O jovem autor que hoje está à frente de uma quinta de turismo rural em Leiria já começou a ponderar numa estratégia alternativa que poderá aumentar as receitas: «Estou a pensar fazer uma tradução para inglês, com o objetivo de a vender na Amazon ou na Google».
Gonçalo Poças não é o único a pensar no mercado anglófono – também Joana Ribeiro Rebelo já sugeriu à Leya o fim da restrição que impede a Escrytos de publicar livros em línguas estrangeiras.
A autora admite que, em próximas obras, poderá recorrer a outras plataformas que não têm restrição quanto ao idioma nem acordos de exclusividade, e que, em vez dos 25% da Escrytos, entregam entre 60% e 80% das receitas obtidas com as vendas. «Já estou a escrever um livro para a minha filha mais nova. Estou a trabalhar em parceria com uma ilustradora alemã que vive em Portugal. Gostava de publicar o livro em 2014», adianta.
Edição para todos
Na Escrytos e noutras plataformas do género, qualquer pessoa pode percorrer todo o processo de edição desde a fase da “página em branco” à escolha da capa e à conversão para o formato ePub. Só as ferramentas premium (por exemplo, a revisão do texto) são pagas.
O fenómeno não é um exclusivo do mercado português: lá fora, circulam notícias que dão conta de autores que superam um milhão de cópias vendidas na plataforma de autopublicação da Amazon e escritores consagrados que se despedem das suas editoras de sempre para passarem a vender na Web através de plataformas de autopublicação.
Para escritores como Armando Vieira, que tentou a sorte em editoras portuguesas mas não obteve qualquer resposta, a autopublicação pode assumir contornos de triunfo sobre a indústria. O que também pode ser encarado como um sinal de alerta para as editoras que se recusam a seguir as novas tendências: «Pode perguntar-me se o intermediário acrescenta ou não valor ao produto. A minha resposta é: sim, sobretudo a nível dos canais de venda, mas é um valor muito marginal. Tenho dois livros quase prontos e muito possivelmente não irei usar intermediários», conclui o autor de “A arte de fazer amor”.