A Conferência Mundial das Telecomunicações Internacionais (WCIT-12, na sigla em inglês) só termina no dia 14 de dezembro, mas os responsáveis políticos dos EUA já trataram de inviabilizar, na prática, qualquer veleidade da União Internacional das Telecomunicações (ITU, na sigla em inglês) de assumir o controlo da Internet .
Numa unanimidade rara, todos os membros da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos votaram a favor de uma resolução que visa impedir que a Internet seja controlada por qualquer entidade governamental. A resolução, que foi aprovada pelos representantes do Partido Democrata e do Partido Republicano, não refere a ITU e apenas tem valor legal nas “Terras do Tio Sam”, mas na prática inviabiliza qualquer efeito prático de uma eventual aprovação da Resolução 146, que vai ser votada em breve pelos participantes na WCIT-12, que está a ser realizada no Dubai.
Com a polémica resolução 146, a ITU pretende encontrar um modelo de governação da Internet que seja representativo dos países, impondo uma solução que é descrita como um misto de Nações Unidas e do atual sistema de regulação das telecomunicações internacionais. Algumas notícias dão conta de que a proposta apresentada pela ITU conta com o apoio da maioria dos países representados no organismo internacional (com destaque para a Rússia, o Irão ou a Arábia Saudita, que têm feito uma pressão política insistente), mas tem sido contrariada pelos EUA e pela UE. Portugal está representado na conferência pela Anacom e já fez saber que vai votar alinhado com a posição da UE.
Hamadoun I. Touré, secretário-geral da ITU, anunciou que o novo modelo de governação da Internet só avança com uma maioria alargada dos votos. O que torna ainda menos provável a alteração do status quo atual. «Mesmo que essas alterações fossem aprovadas durante WCIT-12, duvido que a Internet deixasse de ser gerida a partir dos EUA. Até por uma coisa tão simples como o facto de os root servers estarem nos EUA», explica à Exame Informática um perito que tem acompanhado de perto o processo e que prefere manter o anonimato.
Apesar de a entrega das infraestruturas alojadas nos EUA a uma entidade internacional ser um cenário altamente improvável, o braço de ferro entre ITU e países do ocidente mantém-se aceso na WCIT-12. Nos primeiros dias da conferência, os EUA ainda tentaram fazer passar uma resolução que retirava a Internet do âmbito das novas regulações, mas a proposta acabou por ser chumbada. Mas tendo em conta o tom elevado que tem pautado, nos últimos tempos, o diferendo entre Ocidente e resto do Mundo, este “chumbo” até foi um episódio dentro da “normalidade”.
Em novembro, no Internet Governance Forum (IGF), que se realizou em Bacu, Azerbeijão, o verniz estalou quando Hamadoun I. Touré aproveitou uma das intervenções para denunciar que, numa reunião anterior com responsáveis dos EUA, em Washington, lhe deram a garantia que os Estados Unidos nunca haveriam de abrir mão do atual modelo de governação da Internet. O diplomata dos EUA que estava no Fórum foi surpreendido pela inconfidência, e respondeu perentoriamente que o secretário-geral da ITU (uma organização dependente das Nações Unidas) estava a mentir e que nunca havia sido assumida tal posição.
A par da representatividade, há países que defendem ainda um novo modelo de governação da Internet, como forma de evitar eventuais ciberataques, em caso de conflito. Em contrapartida, outros países pretendem garantir o controlo apertado dos conteúdos veiculados na Web, a fim de evitar convulsões políticas ou sociais. O Irão é provavelmente o exemplo mais elucidativo de um país que não está à vontade com o protagonismo que a sociedade civil tende a assumir na Web. E, ao que a Exame Informática apurou, que já apresentou propostas para impedir o uso de alguns domínios que surgiram após a liberalização promovida pela ICANN (entidade, sedeada nos EUA, que gere os endereços na Net). Eis a lista de endereços que os responsáveis iranianos tentaram boicotar: .sex, .gay, .porn, .sexy, .adult, .lotto, .bet, .wine, .casino, .beer, .bar e .poker.
A WCIT-12 termina a 12 de dezembro. Por essa altura, se nenhuma peripécia ocorrer entretanto, já se saberá se os regulamentos da ITU são ou não aprovados. Caso sejam aprovados os novos regulamentos, há uma nova questão que se coloca: será desta que a Internet vai sofrer uma cisão?