Sim, a Inteligência Artificial pode elevar a medicina personalizada até um outro nível, afinando os diagnósticos e as terapias. Mas se os médicos não entenderem as sugestões e decisões dos algoritmos, de pouco adiantará, “está condenada ao fracasso”. Esta é a premissa do projeto europeu KATY que reúne cientistas de dados, bioinformáticos e médicos, pois claro, no objetivo de melhorar as decisões quanto aos tratamentos a seguir num dos mais complicados tumores, o cancro renal, a partir de marcadores moleculares. Tudo isso seguindo o princípio da explicabilidade.
Portugal participa no projeto através da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e Cátia Pesquita, do Departamento de Informática e investigadora do LASIGE, apresentou este projeto como um bom exemplo do que a IA pode trazer à Ciência. A investigadora falava durante a quinta edição do Dia da Investigação e da Inovação, focando-se nos desafios de tornar a IA útil neste contexto.
“Há três desafios principais”, resume à Exame Informática: a heterogeneidade dos dados, a complexidade e a explicabilidade dos algoritmos. Fenómenos naturais em escalas que vão do micro ao macro, dos átomos ao Espaço, a enorme quantidade destes dados e ainda a necessidade de conjugar diferentes conhecimentos em algoritmos que devem ser compreendidos por todos os seus utilizadores são problemas específicos da Ciências, mas que acabam por ser comuns a outras áreas de aplicação dos sistemas de Inteligência Artificial.
Outro bom exemplo, referiu a investigadora, é o projeto Brainteaser em que se pretende melhorar a qualidade dos cuidados clínicos em doentes com esclerose lateral amiotrófica e esclerose múltipla. “O algoritmo de IA tem de lidar não só com a complexidade e diversidade dos perfis, como a progressão da doença e a componente temporal”, descreve. Prever a necessidade de ventilação não invasiva, no decurso da doença, é um dos principais objetivos.
Também a interação de proteínas pode ser prevista, e explicada, por um algoritmo. Já aconteceu durante um trabalho cujos resultados foram revelados recentemente e em que computacionalmente se identificou uma interação entre duas proteínas, uma delas relacionada com a resposta a doenças infeciosas, como a gripe ou a Covid, e a outra com o movimento de moléculas dentro da célula. Em laboratório confirmou-se o que o algoritmo tinha previsto.
“A sinergia da IA com a ciência é uma área com um potencial enorme, poderá trazer resposta aos grandes problemas da sociedade e da humanidade”, sublinha a investigadora. Mas isto só poderá acontecer com toda a propriedade se forem resolvidos os três desafios, sustenta. Alterações climáticas, transição energética e saúde são as áreas em que este poder da IA terá maior impacto, defende Cátia Pesquita. “Poderemos chegar a mais pessoas com recursos cada vez mais limitados.”