O caminho, inevitável, da descarbonização na aviação faz-se por muitas vias: digitalização, novos materiais, otimização de rotas, recurso a gémeos digitais. Mas também com um regresso à base, à natureza e ao voo das aves que serviram de inspiração à construção dos primeiros aviões. Esta foi uma das mensagens que a vice-presidente executiva da Airbus, Catherine Jestin, deixou durante a sua intervenção na Web Summit. Numa sessão com o título, sugestivo, ‘Adaptar ou Morrer’, a responsável pela área digital elencou as várias estratégias que estão a ser seguidas pela empresa, de forma a ser atingido o objetivo da neutralidade carbónica – que obrigatoriamente passará por mudanças e adaptações em praticamente todos os setores do negócio.
Umas soluções serão mais tecnológicas, como o recurso ao Metaverso para o treino de pilotos ou a utilização de gémeos digitais (uma cópia virtual de um determinado equipamento) no planeamento das operações de manutenção, conforme contou em entrevista à Exame Informática, mas outras serão inspiradas na natureza, seguindo uma linha de investigação conhecida como biomimetismo.
Para desenvolver esta área de trabalho, a Airbus lançou em 2019 o projeto Fello’Fly, para demonstrar que a estratégia seguida pelas aves migratórias, como os gansos, que percorrem longas distâncias mantendo uma distribuição de todas as aves do bando em V, também pode ser aplicada aos aviões.
No ano passado, dois A350 voaram entre Toulouse, França, e Montreal, no Canadá, um na esteira do outro, separados por distância de três quilómetros no comprimento e de 300 metros na altura. Esta ‘boleia’, que se traduz no aumento da sustentação provocada pelas correntes de ar ascendentes da cauda do avião dianteiro, permitiu uma poupança de quase dez por cento de combustível no avião traseiro, menos cerca de seis toneladas de dióxido de carbono emitido. “Do ponto de vista científico fazia sentido, pensávamos que iria funcionar. Mas não sabíamos a extensão [da poupança]”, relatou a executiva em entrevista.
Este voo, sendo experimental, beneficiou de uma autorização especial. Feita a demonstração, o objetivo agora é trabalhar junto dos reguladores, de forma a que esta estratégia, testada pela primeira vez pela empresa francesa, venha a ser considerada nos planos de voo. Outra questão, talvez ainda mais complexa de resolver, será conseguir que as várias companhias de aviação se organizem de forma a distribuir os lucros da poupança. “Neste caso, o voo foi feito por dois aviões da Airbus, não de companhias de aviação. Como faremos quando tivermos um avião da United, outro da Air France, em que o da frente recebe todo o benefício?”, questiona Catherine Jestin. “Como partilhamos este benefício entre diferentes companhias?” Aí, já não será tarefa para os engenheiros. Mas para os gestores.