Vírus, bactérias e fungos são tão determinantes para a qualidade de um vinho como o terreno, a meteorologia ou a casta. Os microrganismos estão no solo, agarrados às raízes e na superfície das folhas, formando uma comunidade a que se chama microbioma e é característica de cada ser vivo. Nos últimos anos, o estudo desta população tem vindo a ganhar cada vez mais importância, em particular pelas suas implicações na saúde humana. Sabe-se hoje que problemas como a obesidade, o cancro ou até as doenças mentais podem estar relacionados com os vírus e bactérias que vivem na nossa pele, intestino, boca.
Mais recentemente, começou a perceber-se que também no reino vegetal, em particular na videira, a diferença entre uma planta saudável e uma doente, ou entre um bálsamo e um carrascão, também passa por estes fatores invisíveis. “Nos últimos cinco anos, e depois dos estudos em humanos, houve um grande boom na agricultura, com vários trabalhos a evidenciarem o impacto do microbioma [na saúde das plantas]”, observa Andreia Figueiredo, do instituto BioISI e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). No Dia da Investigação da FCUL, que aconteceu na quarta-feira, 27, em formato híbrido, a investigadora apresentou os resultados preliminares de um projeto em que se estudou a população de microorganismos em produções vitivinícolas portuguesas, como a da Herdade do Esporão.
O microbioma é específico do terroir. É tão estável que se torna numa marca identitária
Andreia figueiredo
“Queremos saber de que forma os vírus, bactérias e fungos afetam o vinho e se podem servir como forma de identificação do vinho”, detalha à Exame Informática, reforçando que a caracterização do microbioma pode funcionar como uma espécie de assinatura do terroir, uma impressão digital que identifica, com precisão, determinada região.
No trabalho de investigação, a equipa recolheu amostras do solo para serem analisadas num equipamento de sequenciação de terceira geração, o Long Read Nanopore Sequencing, que permite fazer o mapeamento do genoma e o processamento de dados de forma automatizada. “O microbioma é diferente em julho e em setembro e é específico do terroir. É tão estável que se torna numa marca identitária”, reforça a investigadora. Outro objetivo do trabalho, passou por avaliar qual o impacto desta comunidade microbiana – que pode ser composta por mais de quatro mil organismos diferentes – na resistência a pestes e às alterações climáticas.

A relação entre o homem e o vinho já vem de longa data. Terá começado há oito mil anos, na região do Mar Negro, em paralelo com a domesticação dos animais. No entanto, das mais de 70 espécies de uva, só uma é usada para a produção de vinho, a Vitis vinífera, da qual existem mais de 10 mil variedades. Quando se chega à fase da vindima, a videira já passou por 15 a 16 pulverizações de pesticidas, o que não só carrega a planta com substâncias tóxicas, como ainda afeta toda a vida no solo, ou seja, o microbioma – à semelhança do que se passa quando tomamos um antibiótico para tratar uma amigdalite e pelo caminho destruímos a flora intestinal.
O que os cientistas procuram agora é uma forma de compensar os danos feitos à vinha com a administração de um cocktail de micróbios bons, seguindo a lógica da toma de probióticos para restituição do microbioma humano, após uma agressão como um tratamento com antibióticos. Identificados os microorganismos benéficos – “são essencialmente aqueles que estão envolvidos no ciclo do azoto” -, estuda-se a viabilidade da sua produção em laboratório, para depois serem aplicados nas culturas. Uma forma de restaurar a vinha, tal como os antigos faziam. Só que agora com a ajuda da biologia molecular.