É pouco provável que quando se está lambuzando em gelado de baunilha tenha em mente que o sabor foi extraído do petróleo. Como a verdadeira essência da baunilha vem de uma planta que só existe em Madagáscar e mais num ou noutro local igualmente remoto e frágil, o processo mais comum de produção de baunilha para fins comerciais é a partir de métodos de refinação de hidrocarbonetos – o que é muito pouco amigo do ambiente, desde logo pelo imenso gasto de energia que o processo exige. Uma forma alternativa e muito menos consumidora de energia e recursos é a produção de baunilha em organismos vivos, como as bactérias ou leveduras. Esta solução é cada vez mais utilizada em diversas áreas, como sejam a produção de antibióticos, de suplementos alimentares e até de combustíveis alternativos ao petróleo, como é o caso do butanol, um álcool de origem biológica. A SilicoLife, empresa fundada pela investigadora e pró-reitora da Universidade Nova de Lisboa, Isabel Rocha, tem a patente da produção de butanol a partir de micro-organismos vivos – o que para já ainda não é uma solução rentável, mas é certamente um mercado de futuro.
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Quando a SilicoLife foi criada, em 2010, havia muito poucas empresas, a nível mundial, a atuar nesta área. E aliás, na sua génese a empresa oferecia apenas a componente computacional ou de biologia sintética, que grosso modo trata de simular em computador o comportamento das tais bactérias, como a famosa E.coli, ou a levedura do pão. Com a introdução de pequenas alterações do genoma, previstas pelos algoritmos desenvolvidos na SilicoLife, estes micro-organismos passam a funcionar como uma fábrica biológica, de onde se podem extrair os compostos desejados. Em onze anos, quer a empresa quer o setor evoluíram muito. Surgiram ferramentas de edição de genoma, como o Crispr-Cas, e os algoritmos de inteligência artificial foram-se tornando cada vez mais sofisticados e capazes de antecipar o comportamento das ‘fábricas’. “O que fazemos é otimizar o comportamento dos micro-organismos, para determinado fim, como sejam a produção de moléculas de interesse”, resume Isabel Rocha. Além disso, a empresa, com sede em Braga, passou também a ter o seu próprio laboratório, o que permite acrescentar mais uma etapa e oferecer ao cliente – praticamente tudo no mercado internacional – um produto já mais acabado. Ou seja, depois do modelo computacional, os cientistas partem para o laboratório, aplicando a ‘receita’, in vivo, ao organismo-fábrica. “O computador dá-nos a solução e depois vamos ao laboratório fazer as alterações necessárias”, descreve.
Nestes onze anos também aumentou imenso o número de organismos passíveis de serem utilizados, sendo neste momento mais de cem – o que permite ajustar melhor o organismo ao produto que se pretende obter. “Grande parte das empresas químicas estão a tentar substituir os processos de síntese química por processos biológicos”, sublinha. É daí que vêm os bioplásticos, os biocombustíveis, que tipicamente dispensam o uso do petróleo e são muito mais sustentáveis do ponto de vista energético.
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Nada disso seria possível sem a dita “Revolução Digital”, tornada possível pelo conhecimento científico, que está a transformar a própria ciência. Este será o tema da mesa-redonda “A Revolução Digital na Ciência”, que acontecerá por ocasião do Dia Aberto do ITQB NOVA – A Ciência move-nos para o Futuro!, que acontece a 30 de maio. Este ano ainda em formato digital, mas com o mesmo tipo de programa para miúdos e graúdos do costume. Ao lado de Isabel Rocha, estarão ainda a eurodeputada Maria Manuel Leitão Marques, o Professor do Instituto Superior Técnico Arlindo Oliveira, o professor da NOVA Information and Management School, Leonardo Vanneschi, e o investigador do Instituto Gulbenkian de Ciência, Jorge Carneiro. “Hoje em dia é praticamente impossível trabalhar em Biologia, ou mais genericamente, em Ciências da Vida sem uma importante componente computacional”, observa a professora. E mesmo que entrem na universidade sem ter bem isto em mente, os alunos rapidamente se apercebem de que uma área não sobrevive sem a outra.
Além deste debate, o Dia Aberto terá visitas virtuais a espaços habitualmente reservados, atividades relacionadas com a pandemia de Covid-19, conversas com investigadores e também atividades experimentais direcionadas para o público infanto-juvenil.