Depois de ganhar o reconhecimento da comunidade científica nacional na área da computação quântica, Yasser Omar tem uma nova missão pela frente: o projeto QuantHEP foi escolhido pela organização QuantERA para desenvolver simulações quânticas que permitem prever trajetórias de partículas subatómicas após uma colisão. O professor de Matemática no Instituto Superior Técnico (IST) e investigador do Instituto de Telecomunicações vai assegurar a coordenação do projeto em parceria com João Seixas, do Departamento de Física do IST. Garantido o financiamento de 600 mil euros, o QuantHEP deverá centrar esforços de vários investigadores europeus no desenvolvimento de uma ferramenta que poderá ajudar os investigadores da Organização Europeia de Investigação Nuclear (CERN) a superarem as limitações de processamento. Yasser Omar recorda que a evolução quântica segue em paralelo com o crescendo de sofisticação do acelerador de partículas do CERN. Hoje, uma colisão de partículas pode gerar um PetaByte (PB) de informação por segundo. «Daqui a uns anos, depois do próximo upgrade do LHC (Grande Colisor de Hadrões) no CERN, poderemos estar na ordem dos ExaBytes (EB)», prevê o professor do Técnico.
O que é que as simulações quânticas podem acrescentar às simulações levadas a cabo por computadores convencionais?
A grande vantagem é a velocidade; é a possibilidade de encontrarmos soluções mais rapidamente. Estamos a falar de cenários extremamente exigentes, com soluções que podem demorar meses e meses a serem encontradas. A ideia é investigar se uma abordagem envolvendo computação e simulação quânticas poderia trazer vantagens em termos de encontrar as soluções de forma muito mais rápida.
Que computadores vão ser usados para correr estas simulações?
Neste momento, o nosso projeto é essencialmente desenvolver teoria para simular eventos da física de partículas no CERN (a Organização Europeia para a Investigação Nuclear; que tem um acelerador de partículas nos territórios de França e Suíça). Não se trata só de simular eventos, que é uma tarefa computacional bastante exigente, mas também passa por analisar os dados resultantes das experiências… a análise dos dados tem em vista a identificação de partículas resultantes das colisões, mas é de tal maneira exigente que o CERN inventou o grid computing – foi lá que foi inventada essa forma de computação clássica distribuída, devido à exigência computacional. As futuras gerações de aceleradores de partículas, em particular o upgrade que deverá beneficiar nos próximos anos, vão gerar um volume de dados que os computadores clássicos não têm capacidade de processar a informação em tempo útil. Temos de explorar se uma abordagem com algoritmos quânticos e computadores quânticos pode ou não trazer vantagens. É um projeto de investigação, mas a computação quântica é promissora a esse nível. Em que hardware vamos correr as simulações? Contamos ter acesso aos processadores quânticos…
Está a referir-se aos computadores da D-Wave, da Google ou da IBM?
Diria que estamos ainda numa fase incipiente… Prefiro dizer genericamente que pretendemos aceder aos computadores quânticos que já existem para testes. Os processadores quânticos ainda estão numa fase muito incipiente de protótipos, e ainda não são competitivos face aos computadores clássicos. Há a especulação de que a Google já terá conseguido correr um algoritmo quântico num computador quântico de forma mais rápida que o que conseguiria um computador clássico com a melhores características técnicas. Mesmo que isso se confirme continuará a ser um trabalho meramente académico. Ainda estamos longe de ter computadores quânticos úteis. Ainda vamos ter de investigar quando o hardware quântico estiver mais maduro para processar mais informação.
O desenvolvimento dos algoritmos não influencia o desenvolvimento do hardware? Não há o risco de criar algoritmos que não funcionam porque não há hardware que os consiga correr?
Se isso acontecer é bom. Para já, não há ainda muitos algoritmos quânticos que ofereçam vantagens sobre os algoritmos clássicos. Há alguns importantes, mas não são assim tantos. Até ponho as coisas ao contrário: Imagine que amanhã tínhamos um computador quântico, com um hardware muito maduro e com grande capacidade de processamento – não haveria muitos algoritmos quânticos para correr nesse computador. Portanto, encontrar algoritmos que sejam interessantes para um dia serem instalados num processador quântico é extremamente interessante do ponto de vista científico. Além disso, a maioria das empresas que desenvolvem hardware quântico está a fazer processadores universais, que correm qualquer algoritmo e, portanto, não dependem do software, digamos assim. Mas há também outras abordagens, como a dos simuladores quânticos, que são processadores ou computadores dedicados a certas famílias de problemas. Aí a nossa investigação pode motivar simuladores quânticos específicos. O simulador quântico não tem de ser universal nem tem de ser capaz de correr em qualquer hardware… e pode ficar disponível num prazo mais curto. Pode ser mais fácil um hardware para uma família de problemas específicos que desenvolver um hardware para resolver qualquer tipo de problema. Esta é uma área muito nova; o nosso projeto é pioneiro. Também há nos EUA quem esteja a explorar a computação quântica na física de partículas, mas somos pioneiros seguramente na Europa. Este é o único projeto liderado por portugueses que ganhou este concurso do QuantERA. Candidataram-se 85 projetos; foram 12 aprovados.
Será que as gigantes da computação clássica também vão conseguir garantir a liderança na computação quântica… ou estão criadas condições para o aparecimento de novas marcas?
Há muitas marcas… mesmo em hardware há várias… a Rigetti, a Alpine… há umas quantas startups, se bem que há mais startups para o software quântico. Há uma trintena de startups de software quântico no mundo, mas também há startups de hardware que não são as marcas famosas, como a Intel, a Google, a Microsoft ou a Alibaba na China. Estamos num período muito dinâmico!
Será que, dentro de alguns anos, a computação quântica vai acabar por substituir a computação clássica?
Não, não é essa a perspetiva. Há uma série de tarefas, rotinas ou problemas em que os computadores clássicos são muito eficientes. E aí não faz sentido substituir os computadores clássicos pelos quânticos. A visão para a computação quântica é de uma computação híbrida. Haverá um supercomputador clássico com um coprocessador quânticos e aquelas sub-rotinas e componentes do programa de computador que são ineficientes no processador clássico são enviadas para o computador quântico para depois voltarem para o processador clássico. Vamos continuar a usar computadores clássicos nos aspetos em que são muito bons. A computação quântica será um complemento. Este projeto ajuda a posicionar Portugal a nível internacional na área das tecnologias quânticas.