«A aviação quer zero surpresas». Parece uma frase sem sentido. Até que Rémi Maillard, líder da Área de Serviços da Airbus, aproveita a abertura dos Innovation Days que decorrem esta terça-e quarta-feira nos arredores de Toulouse, França, para dar um exemplo de surpresa que deixou de existir nas aeronaves da fabricante europeia: «com o sistema Skywise conseguimos evitar um AOG por dia».
Skywise? AOG? A larga maioria dos presentes que viajaram até às instalações da Airbus são jornalistas especializados que já não arregalam os olhos perante estes termos. Os menos versados recorrem ao motor de busca mais à mão, para descobrir os significados: Skywise é uma plataforma que catapulta eletrónica de uma avião comercial para a digitalização e a denominada Internet das Coisas (IoT); AOG é a sigla de Aeroplane On the Ground. Que é como quem diz: um avião parado e sem voar – muito provavelmente por motivos de manutenção, reparação ou mesmo avaria irreparável. As tais «surpresas» que a aviação pretende evitar a todo o custo – e que, no pior dos casos, até podem ser fatais, caso ocorram durante um voo.
Rémi Maillard já tinha feito notar a aversão que a «surpresa» lhe suscita enquanto gestor da Airbus, mas não desperdiçou a oportunidade de mostrar que «a segurança é sempre a prioridade». O que remete para a Skywise. E também para um novo conceito: «Nós não nos limitamos a fabricar aviões. Fabricamos aviões para poder prestar serviços». Talvez não seja a frase que um gestor de uma companhia aérea mais goste de ouvir, mas é nesse momento que Maillard e os colegas podem puxar por um trunfo que promete fazer a diferença: a já mencionada plataforma Skywise.
«A Skywise dá informação certa, às pessoas certas, no momento certo, nos locais certos», acrescenta Rémi Maillard.
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A box Fomax extrai informação dos múltiplos sensores de uma avião
Fora do auditório dos Innovation Days, há um mostrador que permite seguir em “voo picado” em direção a mais alguns detalhes sobre a Skywise. Para um entusiasta das tecnologias, a Skywise mais não será que uma plataforma de IoT. Para um profissional da indústria aeronáutica é a realização de um desígnio: «Os aviões já tinham múltiplos sensores, só que não estavam a ser usados na totalidade», explica Vincent Barberet, líder de Projeto, no Gabinete de Design da Airbus.
Nas mãos de Barberet, figura uma box prateada – com um formato de monólito, que tem como única irregularidade uma portinhola com várias ranhuras para a colocação de vários cartões de comunicações móveis que entram em ação sempre que a aeronave exporta dados. A box, que é conhecida por Fomax, foi desenhada para ser colocada sob o cockpit, depois de conectada a todos os sensores que estão dispersos por um avião. E quando se diz todos – o significado é mesmo todos. Das prateleiras sobre as cabeças dos passageiros que indicam se há ou não espaço vago para mais uma bagagem ao frigorífico que sinaliza a falta de refrigerante ou comida vegetariana; do pedido de ajuda de uma das cadeiras da parte de trás ao alerta relativo a alguém que não apertou o cinto. Toda esta informação faz a diferença para os serviços prestados aos passageiros e por isso os dados são comunicados em tempo real, pela rede Wi-Fi interna para os tablets para a tripulação.
Mas não são só os passageiros que beneficiam do uso da plataforma digital: quando o avião aterra, toda a informação relativa aos serviços de bordo é descarregada para as bases de dados da companhia aérea que ficam a saber o que foi consumido e, assim, depreendem as faltas que há por colmatar para o próximo voo ou os consumos médios que um determinado percurso costuma registar no que toca à alimentação e bebidas.
A tripulação de bordo que presta assistência aos passageiros ganha um nova ferramenta, mas a maior das mais-valias pode ser encontrada dentro do cockpit: através do portátil, os pilotos podem descobrir o estado em que se encontram os diferentes componentes críticos de um avião. Caso não haja nada de “anormal”, é possível que nenhum dos pilotos tenha de usar a Skywise durante o voo, mas quando o avião chega ao aeroporto e procede à descarga de dados, ficam criadas as condições necessárias para uma “radiografia” dos diferentes sistemas da aeronave.
A informação é encaminhada para as bases de dados da Airbus – e é nesse momento que o IoT abre caminho á inteligência artificial: «Depois de os dados serem coletados, são usados algoritmos que permitem prever quando é que um componente poderá vir a falhar. É algo que, por exemplo, nos permite saber que, se uma bomba estiver a perder pressão, eventualmente fará sentido mudar uma válvula», explica Vincent Barberet.
A Fomax, a tal caixa que funciona como o centro nevrálgico que conecta todos os sensores de um avião, já está instalada em 100 aviões. A Airbus está apostada em fazer este número crescer não só através dos novos aviões que saem das fábricas, como também da instalação destes sistemas em aviões que até podem já ter uma ou duas dezenas de anos de viagens pelo Globo. «É um serviço prestado pela Airbus às companhias aéreas; não precisamos sequer de saber qual o design ou modelo de avião (para analisar os dados e enviar alertas)», acrescenta Barberet.
Além da segurança do avião, a Fomax foi desenhada para garantir a sua própria segurança. Os componentes desta caixa sensorial operam de forma segregada e estão sujeitos a uma análise individualizada em permanência para descortinar comportamentos anómalos ou suspeitos. Os componentes que comunicam com a Fomax não só têm hardware diferente, como recorrem a implementações diferentes das que são aplicadas ao hardware da Fomax. Desta forma, reduz-se a probabilidade de ser encontrada uma falha de grandes proporções que pode afetar vários dispositivos em simultâneo.
Vincent Barberet sublinha por mais de uma vez que a plataforma Skywise é segura. E mesmo que um hacker consiga uma intrusão, é possível que não consiga descobrir muito mais que a informação sobre o estado dos componentes. «O nível de interação com os componentes do avião é muito limitado», frisa Vincent Barberet.
A Skywise pode fazer a diferença, mas não é indispensável. Os profissionais da Airbus garantem que o avião prossegue o voo, mesmo que a Skywise deixe de funcionar – ou seja necessário desligá-la por algum motivo técnico. «É uma decisão que só o piloto pode tomar», conclui Vincent Barberet.