
Heinz Troll
«Pode aparecer alguém que faça melhor que nós, mas há uma coisa já não nos tiram: fomos os primeiros». As palavras são proferidas por Elvira Fortunato e remetem para o filão que surgiu depois do desenvolvimento do primeiro transístor de papel do Centro de Investigação de Materiais da Universidade Nova de Lisboa (Cenimat). Já lá vão oito anos, mas o Instituto Europeu do Inventor não esqueceu esse momento original: Elvira Fortunato e Rodrigo Martins, a dupla de líderes do Cenimat, que também são esposos, foram nomeados para a final da categoria de Investigação do Prémio Europeu do Inventor de 2016.
Há mais dois nomeados para a categoria de Investigação: Alim-Louis Benabid, um investigador francês que desenvolveu um método de tratamento de tremores associados ao Parkinson com recurso a impulsos elétricos de alta frequência; e Miroslav Sedláček, da República Checa, pelo desenvolvimento de uma turbina de pequenas dimensões com capacidade para a produção de eletricidade para vários lares.
Elvira Fortunato prefere não assumir qualquer favoritismo, mas há dois dados que lhe permitem confirmar que o transístor de papel já começou a traçar uma nova tendência: por mais de uma vez, os responsáveis do Cenimat foram sondados por empresas que pretendem conhecer as tecnologias de forma mais detalhada; em paralelo, os investigadores do Cenimat têm vindo a participar em vários projetos de investigação com empresas especializadas na produção de papel, que pretendem conhecer novas oportunidades de negócio.
No instituto de investigação sedeado na Caparica, há a convicção de que, mais tarde ou mais cedo, a eletrónica descartável acabará por singrar. Na indústria papeleira, os primeiros sinais de mudança também já são visíveis. Até porque a procura já não é o que era: «As pessoas consomem cada vez menos papel», refere Elvira Fortunato, numa alusão aos efeitos produzidos pela disseminação de suportes eletrónicos.
O feito do Cenimat é descrito com contornos de «milagre», quando a análise incide sobre os recursos existentes à data de 2008. Nessa altura, a dupla Fortunato-Martins já tinha dado que falar com o desenvolvimento de soluções baseadas em óxido de zinco, que contribuíram para a evolução da eletrónica transparente (e em especial para uma nova geração de ecrãs), mas ainda não tinha feito o furor que haveria de abrir caminho à primeira bolsa do Conselho Europeu de Ciência (CEC), que totalizou 2,25 milhões de euros (em 2015, Elvira Fortunato haveria de ser nomeada para o conselho de sábios do CEC).
Não será surpresa se alguém surgir com uma alternativa tão boa ou melhor que aquela que foi proposta pelo Cenimat – até porque há muitos outros laboratórios dispersos que têm vindo a experimentar os mais variados materiais e abordagens na produção de dispositivos eletrónicos que funcionam sem o uso do silício. Essa possibilidade imponderável e fora de controlo não coibiu a equipa do Cenimat de criar múltiplas aplicações possíveis para os transístores de papel e derivados: «É como uma árvore, de onde saem vários ramos. E nós já começámos a explorar alguns desses ramos, com projetos que permitiram criar novos testes de gravidez, ou de deteção de bactérias que geram energia», acrescenta Elvira Fortunato.
No ano passado, o Cenimat fechou o ciclo iniciado há oito anos, ao anunciar o desenvolvimento de uma célula solar, que permite alimentar um dispositivo que contém uma unidade de processamento, memória, ecrã, bateria, antena e sensor de cor – tudo feito em papel.
Talvez por já não ser totalmente novidade, a célula solar, batizada de Tetrasolar, não gerou o mesmo entusiasmo do transístor. Mas é o desenvolvimento deste componente capaz de captar energia que garante a autonomia necessária para criar etiquetas inteligentes que mostram informação de modo dinâmico e contextual, ou folhas de papel eletrónicas que poderão assumir diferentes funções – e que no final poderão ser mandadas para a reciclagem, sem pruridos financeiros ou ambientais. Pode parecer um feito tão corriqueiro quanto um prazo de validade de um pacote de leite, mas é a garantia de que, mesmo que não ganhem a categoria de Investigação do Prémio Europeu do Inventor de 2016, Elvira Fortunato e Rodrigo Martins têm um lugar na história da eletrónica mundial – e estão na vanguarda da propriedade intelectual made in Portugal.