Em tenra idade, Mário Lino da Silva descobriu que não podia ser astronauta ou piloto. «Enjoo quando viajo de avião. E depressa ficou claro para mim que tinha de me tornar engenheiro». Em 2008, já com uma tese de doutoramento sobre a atmosfera de Marte concluída, o jovem investigador do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN) tem a palavra final quanto ao destino da missão ExoMars, da Agência Espacial Europeia (ESA) – sempre com a engenharia por perto e sem entrar num cockpit e sem sofrer qualquer enjoo.
Quando a ESA recorreu aos préstimos do IPFN para analisar o design e a termo-aerodinâmica da nave espacial que pretendia enviar a Marte, a preocupação era: «como reduzir os 200 gramas que estavam a mais na carga transportada pelo veículo».
Alheios à questão da carga, Mário Lino da Silva e Bruno Lopez pegam nos designs da nave da ESA e testam-nos nos computadores do IPFN, a fim de calcular a propagação da radiação e os efeitos do atrito causado aquando da entrada da ExoMars na atmosfera de Marte. «Os modelos usados pelos nossos computadores permitiram concluir que a traseira da nave ficaria sujeita a uma radiação relativamente importante, que tinha sido desprezada inicialmente», recorda o investigador que hoje é coordenador científico do Laboratório de Plasmas Hipersónicos.
Por muito que custasse à ESA e aos promotores do primeiro desenho da ExoMars, a intensidade da radiação prevista para a traseira da nave não podia ser ignorada: Quanto maior a radiação, maior é o aquecimento gerado na nave; e quanto maior é o aquecimento, mais proteções térmicas têm de ser instaladas nessa mesma nave. «Estimámos na altura que o aquecimento na parte traseira da nave exigiria a instalação de mais 10 quilos de proteções térmicas», refere Mário Lino da Silva.
Na indústria aeroespacial, há uma regra que costuma ser seguida com vários zeros à direita: «cada quilo enviado para Marte custa um milhão de dólares». Ao câmbio da atualidade, as proteções térmicas necessárias para evitar o sobreaquecimento da traseira da nave representariam um acréscimo de 10 milhões de dólares no orçamento final. Os líderes da ESA, que andavam desesperados a tentar encontrar forma de reduzir 200 gramas no peso total do veículo espacial, dificilmente terão sorrido ao conhecer o prognóstico dos cientistas da unidade de investigação que pertence ao Instituto Superior Técnico (IST).
Mesmo que a tesouraria da ESA aprovasse a instalação das proteções térmicas (os tais 10 quilos que custam 10 milhões de dólares a transportar…), os responsáveis pela ExoMars teriam de sempre de arranjar solução para outro tipo de problema: «O veículo tornava-se demasiado grande, caso fossem instaladas as proteções térmicas. Era impossível fazer aquela missão com aqueles parâmetros», explica Mário Lino da Silva.
A ESA poderia retirar instrumentos científicos da carga da transportada pela sonda – e assim chegar à tão almejada redução de peso. Só que essa decisão drástica também teria resultados nefastos para a exploração do “planeta vermelho”: «A missão perderia o interesse se se enviasse um robô sem equipamentos científicos. Não faria sentido gastar centenas de milhões de euros para enviar a Marte um robô sem importância para a ciência», sublinha o coordenador Laboratório de Plasmas Hipersónicos.
Conhecidas as três primeiras alternativas (manter design, ou aumentar peso e dimensão, ou ainda retirar equipamentos do veículo), os responsáveis da ESA acabaram por enveredar por uma quarta opção – por sinal bem mais radical: o desenho de raiz da missão ExoMars.
Hoje, a missão ExoMars prevê o envio de duas sondas para Marte: um voo agendado para 2016, que transporta equipamentos de mapeamento e deteção de metano e outros gases; e um segundo voo que já deverá transportar um Rover robótico para a exploração de Marte.
Na Net, é possível confirmar que a missão ExoMars deparou-se, em 2012, com cortes orçamentais, causados pelo fim da participação da NASA no projeto. A missão acabou por seguir em frente através de um acordo de parceria com a Roscosmos, a agência espacial da Rússia.
Mário Lino da Silva admite que vários problemas já tinham sido detetados na configuração inicial da ExoMars, mas não tem dúvidas de que o contributo dos investigadores do IPFN, apesar de resumido, fechou um capítulo na missão: «Foi a gota de água que faltava para decidir o adiamento e a reconfiguração da missão».