Na mais recente revelação da arqueologia marinha há dois nomes que importa reter: John Franklin e Stephen Harper. O primeiro entrou para a história do Canadá por comandar a missão que tentou, em vão e de forma fatal, descobrir a Passagem do Noroeste que, supostamente, ligava o Atlântico e o Pacífico; Stephen Harper também é bem conhecido dos canadianos – não só por ser o primeiro-ministro mas também pela obsessão em descobrir os dois navios comandados por John Franklin, cujo rasto se perdeu em 1845.
Ontem, ao contrário de Franklin, Harper pôde dar por concluída a missão com sucesso, com a descoberta de um dos navios (ainda não se sabe se se trata do HMS Erebus and HMS Terror) da trágica missão que terá vitimado 129 homens e que originou mesmo narrativas mais ou menos imaginárias sobre práticas canibais, entre um tripulação que eventualmente terá ficado encalhada no gelo. A descoberta foi feita junto à Costa Noroeste da Ilha do Rei Guilherme, através dos dados recolhidos por sonar.
Nos 160 anos que separam as duas missões, muita coisa mudou – e notoriamente Harper pôde tirar partido de recursos inimagináveis para os contemporâneos de Franklin. A busca pelos navios perdidos em 1845 tirou partido de tecnologias de monitorização do fundo mar, da ajuda de guias de índios Inuit, e beneficiou de um fator ainda mais importante: o aquecimento global e o consequente degelo, que tornou aquelas águas navegáveis.
Harper pôde descobrir os navios comandados por Franklin porque hoje a Passagem do Noroeste existe realmente e tornou-se navegável. Franklin não descobriu a Passagem do Noroeste porque na altura nada mais era que mar gelado não navegável – e pagou com a própria vida a descoberta.
Segundo a BBC, o governo canadiano não tardou a comparar a descoberta do navio à descoberta arqueológica do túmulo de Tutancâmon. Para a maioria das pessoas pode parecer exagero, mas do ponto de vista político é o corolário lógico de uma missão que se estende desde 2008, em que Harper chegou a participar, e que tem em vista marcar posição em termos de soberania.
Devido ao degelo, a Passagem do Noroeste tem vindo a tornar-se navegável (já há quem avente os cruzeiros de luxo como possibilidade). Além de lembrar que o Canadá já o havia tentado no passado, a descoberta do navio também comprova que o gigante norte-americano ainda “anda” por lá e, por isso, tem direito a reivindicar o seu quinhão no que toca à nova rota marítima, como eventualmente a outras áreas do Pólo Norte que possam vir a sofrer com o degelo.