Na primeira vez que Ismael Tereno visitou a base de lançamentos em Cabo Canaveral, na Florida, teve de se cingir ao circuito turístico. Desta vez será bem diferente. Ismael conquistou um lugar de observação privilegiado e é na zona destinada ao “pessoal autorizado” que o cientista do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa irá assistir ao lançamento do Falcon do dia 1 de julho. Com lançamento previsto para as 16h12, hora em Portugal, o foguetão da empresa SpaceX leva a bordo o telescópio espacial Euclid, da Agência Espacial Europeia (ESA), uma janela para os últimos 10 mil milhões de anos de história do Universo.
Sabemos que o Universo se expande a uma velocidade cada vez maior. Mas o que a alimenta é um mistério
Ismael Tereno
Nos próximos seis anos, o telescópio, que estará numa órbita em torno do ponto conhecido como L2, a um milhão e meio de quilómetros da Terra (por onde também anda o telescópio James Webb), irá observar mais de um terço do céu à procura de respostas para uma das mais intrigantes, e fundamentais, questões do momento: o que está a acelerar a expansão do Universo. “Sabemos que o Universo se expande a uma velocidade cada vez maior. Mas o que a alimenta é um mistério”, diz Ismael. “Será algo que já conhecemos ou algo que desconhecemos por completo?”
A comunidade científica mundial está unida na procura por respostas. E os cientistas portugueses têm um papel muito importante nesta busca. A trabalhar no Consórcio Euclid desde 2012, são os cientistas portugueses os responsáveis por definir as 50 mil observações previstas. Para onde apontará as lentes, qual a sequência das observações, que pontos do céu há que evitar. Um planeamento meticuloso que obriga, por exemplo, a desviar da Via Láctea e da sua luz ofuscante, a evitar o Sol para não danificar os instrumentos, a dar preferência às galáxias já observadas a partir de outros telescópios, nomeadamente em Terra, aumentando assim a quantidade de informação e a probabilidade de se tirarem conclusões. “É um trabalho de grande responsabilidade”, admite o cientista. “O telescópio tem de rodar muito lentamente. Basta uma inclinação de meio grau mais para o Sol para distorcer a imagem.”
Lisboa a comandar os ‘olhos’ do telescópio
Todo o cronograma foi previamente definido pelo software produzido em Lisboa, no campus da Faculdade de Ciências. Mas o trabalho está longe de ter terminado. Tanto assim é que o grupo português, composto por quatro cientistas, vai precisar de contratar mais duas pessoas. Uma delas especialista em programação. É que ao longo do tempo de vida do Euclid, será necessário ir fazendo ajustes, em função das imagens que forem sendo captadas, sobretudo depois da primeira fase de observação, que ainda é de teste.
Este plano de observações passará a ser gerado e atualizado pela equipa de apoio às operações do rastreio (Survey Operations Support Team – SOST) durante toda a duração da missão, explica-se no comunicado de imprensa. O SOST, liderado pelo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, entregará regularmente à ESA estes planos de observação, que serão usados pelo centro de operações de voo para comandar o telescópio espacial. Será “um período de grande stresse”, admite o investigador em entrevista à Exame Informática, pouco antes da sua partida para os EUA, e que exigirá respostas rápidas e acertadas por parte da comunidade científica portuguesa.
É então com base nestes dados que se irá tentar responder às questões sobre a expansão do Universo, a origem da matéria escura – que não emite nem absorve radiação em qualquer parte do espetro eletromagnético e que se estima corresponder a 27% de tudo o que compõe o Universo – e da energia escura, uma força que se opõe à atração gravitacional, e que até agora é a melhor explicação para a origem da expansão acelerada do Universo, correspondendo a 68% de tudo o que compõe o Universo.
A pista das lentes gravitacionais
Uma das formas de o fazer é observar galáxias longínquas, em particular a distorção da imagem que ocorre pelo facto de a luz emitida ter sido afetada pela matéria escura – um efeito a que se chama de lentes gravitacionais. Quanto mais distante está a galáxia, maior este efeito, logo mais fácil será de detetar e tirar conclusões. Daí que a missão Euclid esteja dedicada às galáxias mais longínquas. “Se observarmos as galáxias próximas de nós, não se vê grande distorção. Nas longínquas é que é relevante”, compara Ismael Tereno.
Nenhuma outra missão espacial foi tão ambiciosa em termos de abrangência do céu como esta – estamos a falar de uma área de observação que é cem vezes superior à observada pelo Telescópio Espacial Hubble em quase três décadas.

Para o estudo da energia escura, os cientistas terão de contar com um método ainda mais indireto de estudo. Um dos efeitos da expansão acelerada do Universo é que é mais difícil o aglomerar das galáxias, a sua organização no espaço. Ao estudar a forma como estas se agregam, é possível inferir de que forma a expansão foi acelerando ao longo do tempo. Uma maneira de medir a energia escura é através da variação na agregação das galáxias.
Ninguém sabe com rigor o que poderá resultar, em termos científicos, deste trabalho. Mas é bem possível que os dados obtidos com o telescópio espacial Euclid obriguem a redefinir algo tão elementar como a força da gravidade.