Aos poucos, os cientistas vão conseguindo dar uma cara ao inimaginável. Depois de terem exibido, em 2019, a primeira imagem de um buraco negro, a colaboração internacional Event Horizon Telescope (EHT), que junta centenas de cientistas de todo o mundo e dados de telescópios igualmente espalhados pelos quatro pontos cardeais, revelou hoje, em múltiplas conferências de imprensa e meia dúzia de artigos científicos, uma imagem do buraco negro que está no coração da Via Láctea.
Nas imagens, feitas em diferentes comprimentos de onda, o Sagitarius A, o buraco negro supermassivo, aparece com a sua massa equiparada a milhões de vezes a do nosso Sol – 4,3 milhões, para ser mais preciso, de acordo com a estimativa dos astrónomos Reinhard Genzel e Andrea Ghez.
O astrónomo português, Hugo Messias, que já tinha feito parte da equipa que revelara a primeira imagem de um buraco negro, na galáxia M87, volta a surgir como coautor de dois dos artigos científicos, participando, tal como em 2019, nas observações feitas no ALMA – o observatório instalado a cinco mil metros da altitude, no deserto do Atacama, Chile. “Em 2016, tivemos o anúncio das ondas gravitacionais, associadas a buracos negros estelares, na M87 estamos numa escala que é quase mil milhões de vezes maior. E agora, com a Via Láctea, estamos a testar a gravidade numa área intermédia, entre os estelares e a M87”, compara. Na edição de junho a Exame Informática poderá ler uma entrevista ao astrónomo, radicado no Chile.
Tudo na Via Láctea, incluindo o nosso Sistema Solar, gira à volta deste gigante, de onde nada escapa nem a luz. É por isso que para o detetar, é preciso usar um truque, uma estratégia muito importante em astronomia, que é a medição da influência destes objetos nos planetas e estrelas à sua volta.
Conheça o buraco negro no centro da nossa galáxia, foi assim que o Observatório Europeu do Sul, iniciou a conferência de apresentação, a partir da sua sede na Alemanha. Foi do trabalho de onze observatórios – eram oito na altura da primeira imagem -, cerca de 300 cientistas, mais engenheiros e técnicos que resultou esta nova imagem. Não parecem muito diferentes, as imagens dos dois buracos negros. Vale lembrar, que ambos resultam do trabalho das forças gravitacionais, portanto é natural que sejam parecidos.
Situado a 27 mil anos-luz da Terra, esta é a primeira, e muito desejada imagem, deste gigantesco objeto, no centro da nossa galáxia, sendo a primeira evidência visual da sua existência. Apesar de não ser possível ver o buraco negro em si, por estar completamente às escuras, o gás brilhante à sua volta é uma espécie de assinatura: uma região central escura, rodeada por uma estrutura brilhante em forma de anel. Nesta nova imagem, podemos ver a luz a dobrar por ação da intensa força da gravidade do buraco negro.
“Ficámos abismados pela forma como o tamanho do anel coincidia com as nossas previsões, a partir da Teoria da Relatividade Geral de Einstein”, disse o cientista do EHT, Geoffrey Bower. “Estas observações sem precedentes melhoraram significativamente a nossa compreensão daquilo que acontece no centro da nossa galáxia e dão-nos uma nova visão sobre a forma como estes buracos negros gigantes interagem com o ambiente à sua volta”.
Apesar de estar mais próximo de nós, esta imagem foi mais difícil de captar do que a do M87 e exigiu soluções ainda mais sofisticadas. “O gás na vizinhança do buraco negro desloca-se à mesma velocidade – quase à velocidade da luz – à volta do Sagitarius e do M87. Mas se por um lado o gás demora dias a semanas a dar a volta à galáxia M87, muito maior, no caso do muito mais pequeno Sagitarius, uma volta completa demora apenas alguns minutos”, explica o cientista do EHT, Chi-kwan.