Que impacto terá a decisão da Rússia de retirar as naves Soyuz da Guiana Francesa na indústria espacial portuguesa?
A decisão da Rússia foi no sentido de retirar os seus veículos lançadores (foguetões) Soyuz do complexo de lançamentos Europeu situado na Guiana Francesa onde são lançados também os veículos lançadores Europeus, Ariane e Vega. Os lançadores Soyuz são construídos pela Rússia e a sua indústria sendo que o impacto desta medida traduz-se na impossibilidade de enviar satélites para o espaço usando este veículo e de alguma forma refazer a calendarização de algumas missões, de forma a adaptá-las a outros lançadores. Esta medida terá sobretudo impacto nos calendários das missões uma vez que a calendarização em curso para o lançamento dos satélites será revista no sentido de se recorrer a outro lançador tendo também em conta a adpatação dos satélites a esse mesmo lançador. A indústria espacial portuguesa e de uma forma geral a europeia poderá será impactada indirectamente pois, conforme referido irão surgir atrasos nas atividades de alguns programas. De salientar que nada à partida será cancelado simplesmente poderá haver alterações de calendário, tendo sido esta a posição muito clara da comissão euopeia.
Que outros programas podem estar comprometidos?
Esta medida impacta programas que previam utilizar este lançador como o programa Copernicus, Galileo, Euclid. Entretanto, está a ser preparada uma resposta através da capacidade europeia, muito claramente afirmada pelo comissário europeu. Para além disso, há programas que são afetados pelas medidas tomadas pela ESA em conjunto com os estados membros, como por exemplo em relação ao programa Exomars, já que estes e outros programas partilham tecnologias russa e ucraniana, sendo que esta última pode não estar disponível pelas razões do conflito, mas que, como no caso dos lançadores, a Europa encontrará as devidas soluções.
Por que razão não foi acautelada, antecipadamente, pela ESA uma alternativa às naves de carga Soyuz, tendo em conta a instabilidade política reconhecida à Rússia?
Quando se decide construir um satélite, um dos primeiros factores a considerar no design é o lançador que será usado. Isto significa que a decisão quanto ao lançador ocorre quando o projecto ainda está numa fase inicial (em papel) e anos antes do seu lançamento. No caso dos satélites Copernicus, eles foram construídos com esse pressuposto e foram construídos ao mesmo tempo estando agora prontos e armazenados para o seu lançamento. Por esse motivo, não é possível simplesmente colocá-los num outro lançador sem um conjunto de testes, adaptações para o poder utilizar. O mesmo acontece com os satélites Galileo, assim como outros satélites previstos para serem lançados pelo veículo Soyuz. De qualquer forma, a ESA e os seus estados membros sempre encararam o espaço e as missões espaciais como uma ferramenta de diplomacia e desenvolvimento global, estendendo-se para isso a cooperação ao nível global, em que a Estação Espacial Internacional (ISS) é o grande exemplo dessa cooperação.
Esta decisão da Rússia também pode de alguma forma ser encarada como uma oportunidade?
Um dos aspectos que a pandemia tornou evidente é que a Europa estava demasiado dependente de terceiros para o seu funcionamento pleno. Este conflito que rapidamente chegou a sectores como o espaço vem também confirmar essa dependência neste sector. A Europa necessita ser autónoma em todos os setores de actividade e também nas atividades espaciais. Nesse sentido sim, é uma oportunidade para a Europa em conjunto, unir-se e tornar-se independente no acesso ao espaço e em toda a cadeia de valor deste setor. Temos o conhecimento e os instrumentos financeiros para afirmar a autonomia e a resiliência europeia e hoje, mais que nunca, afirmamos uma vontade coletiva sem precedentes. O Espaço, assim como o ciberespaço, são hoje domínios operacionais para a Defesa, sendo que, cada vez mais, é necessário reforçar as competências e a coordenação das Defesas nacionais dos países europeus nestes domínios, através de iniciativas conjuntas dos vários países, sendo também por isso uma enorme oportunidade para uma Europa cada vez mais unida.