Há 200 anos, na Índia, havia uma prisão em que chegaram a ser enfiadas cem pessoas num espaço onde cabiam duas. Este pesadelo na Terra era conhecido como ‘o buraco negro de Calcutá’ e quem tinha o azar de ir lá parar dificilmente escapava. Uma boa metáfora para uma estrela em colapso total, que descai num buraco compacto de onde nada consegue sair, nem a luz. Um buraco negro, chamam-lhe os astrónomos.
Estas estruturas misteriosas e fascinantes nem sempre tiveram nome. Quando começaram a ser estudadas, os cientistas referiam-se a elas usando a própria definição – estrela a colapsar. À medida que a área foi ganhando relevância, tornou-se urgente encontrar uma designação clara e percetível. Foi num congresso de Cosmologia, no ano de 1968, que a expressão passou a ser aceite pela comunidade científica, sendo usada tanto em publicações especializadas como em textos de divulgação. “Já se usava o nome de vez em quando, com reservas. Havia quem considerasse que tinha conotações eróticas”, conta o professor do Instituto Superior Técnico, José Sande Lemos.
Que nome dar a uma estrela colapsada?
Quem tornou oficial o nome foi o famoso e muito prestigiado físico americano John Wheeler que gostava de contar a história daquele congresso em que se dirigiu à plateia com a pergunta: “como devemos chamar a uma estrela completamente colapsada gravitacionalmente?” A resposta, contava Wheeler, que morreu em 2008, terá sido soprada por um anónimo na assistência: “buraco negro”. E assim ficou.
Seria esta versão oficial que José Sande Lemos e o então colega do Instituto Superior Técnico, Carlos Herdeiro, atualmente professor na Universidade de Aveiro, esperavam relatar quando decidiram publicar um artigo sobre a história da expressão. Ambos são investigadores na área da cosmologia, muito interessados em história da ciência – “somos especialistas em buracos negros e não é possível fazer ciência sem conhecer profundamente o que aconteceu no passado, o que nos trouxe até aqui”, justifica Sande Lemos, e queriam assinalar o 50º aniversário da adoção da expressão ‘buraco negro’.
Nesta pesquisa os dois cientistas acabaram por descobrir que a história não era bem como Wheeler a contava. Na realidade, quem conhecia a tragédia da prisão indiana, começando a comparar estrelas completamente colapsadas ao buraco negro de Calcutá era Robert Dicke, colega de Wheeler na Universidade de Princeton. E o tal anónimo que terá sugerido esta expressão, como resposta à pergunta lançada para o ar, era o próprio Dicke, como revelam os dois cientistas portugueses no artigo publicado há dois anos. “Definitivamente, a utilização do nome buraco negro resulta de uma parceria entre Wheeler e Dicke”, escrevem. Assim que foi publicado, primeiro na Gazeta de Física e depois na arXiv, editada pela Universidade de Cornell, o artigo despertou logo muito interesse, sendo amplamente citado. Mas a grande honra chegou quando o Comité Nobel fez referência ao trabalho no texto que acompanhou a nomeação do Nobel da Física de 2020, atribuído a três cientistas que estudaram os buracos negros. “Não podia imaginar”, admite Sande Lemos, visivelmente contente.