Da primeira vez que falamos com Nuno Ávila e António Gutierrez, ambos engenheiros aeroespaciais da empresa Deimos Engenharia, sentia-se deceção e ansiedade no discurso. Desde março que a empresa portuguesa aguardava pelo lançamento dos dois satélites de observação da Terra incluídos na missão FSSCAT e desenvolvidos por um consórcio liderado pela Deimos e que envolve a Universidade Politécnica da Catalunha e ainda uma empresa italiana e outra alemã. Prontos para serem enviados para o espaço, onde estarão a girar em torno da Terra numa órbita polar (do polo norte ao polo sul), os dois satélites, bem como os restantes 51 companheiros de viagem, tiveram de ficar a aguardar até agosto para que houvesse condições de lançamento.
Veio a pandemia e impuseram-se regras completamente impraticáveis, como quinze dias de quarentena antes da viagem para a Guiana Francesa – onde fica o porto de lançamentos da Agência Espacial Europeia – mais quinze dias após a chegada e depois mais duas semanas no regresso a casa. “O último lançamento em Kourou aconteceu em novembro do ano passado, com a missão Cheops [missão europeia de pesquisa de exoplanetas]”, relata António Gutierrez.
Em junho, na primeira tentativa pós-pandemia, foi a meteorologia estragar os planos. A velocidade e o tipo de ventos em altura impediu o lançamento. Já em setembro, na primeira tentativa de lançamento do Vega, na noite de terça para quarta, também acabou por se abortar a missão porque uma das estações de seguimento – que acompanham as primeiras órbitas dos satélites, após o lançamento – na Coreia do Sul, estava a sob os fortes ventos de um tufão. Esta madrugada, no entanto, o Vega descolou, com sucesso, às 02:51 e hoje pela manhã os satélites já tinham enviado dados que comprovavam o seu bom estado de funcionamento. Alívio, na equipa da Deimos Engenharia, que vai recebendo por email as notícias dos seus ‘bebés’.
Fechados durante quase quatro meses dentro do foguetão, prontinhos a descolar, em junho foi preciso desmontar peça por peça, recarregar as baterias dos satélites, tirar os combustíveis do foguete, voltar a abastecer. E depois, tudo montado novamente, seguindo uma ordem específica. “Há uma sequência de lançamento [dos satélites] que tem de ser respeitada, uma ordem para a posição dos satélites no foguete, que ficam numa espécie de gavetas. É um trabalho de lego”, observa Nuno Ávila, diretor da Deimos Engenharia.
A missão FSSCAT, coordenada pela empresa portuguesa, é composta por dois satélites dedicados ao estudo das alterações climáticas e ao teste de tecnologias inovadoras de Observação da Terra, através da recolha de dados da humidade do solo que atinge uma resolução espacial que pode ir até aos 500 metros. Além de esta ser uma variável crucial para o cálculo do risco de incêndio, o parâmetro tem uma importância determinante para a agricultura. Serão ainda medidas a espessura das calotas polares, que tem impacto na navegação marítima e no estudo do fenómeno das alterações climáticas.
Agora que chegaram ao espaço, os dois nano-satélites (dimensão 30x20x10 cm), terão dois meses para mostrar o seu valor, sendo esta uma missão de demonstração. Se provarem ser válidos, a missão será prolongada por mais um ano.
O voo desta madrugada, que teve a duração de duas horas, inaugura um serviço de ‘transporte coletivo’ para o lançamento de pequenos satélites. O primeiro do que virá a tornar-se numa rotina, de acordo com o responsável pelo departamento de Transporte Espacial da ESA, Daniel Neuenschwander – “uma nova abordagem que mostra que estamos atender às novas necessidades do mercado”, sublinhou em comunicado.