A primeira vez que a revista EXAME chegou às mãos dos seus leitores, tinham passado apenas três anos da adesão de Portugal à CEE. Desde esse ponto de viragem, o País foi capaz de dar sucessivos saltos de desenvolvimento, superando vários dos seus défices – qualificações, pobreza, infraestruturas, instituições. Agora, com esse caminho percorrido e numa altura de transformação para a economia mundial, Portugal tem de encontrar um novo desígnio para a sua economia. Onde nos fará aterrar o próximo salto?
A integração europeia de Portugal é o momento mais marcante do pós-25 de Abril. Permitiu ao País aproveitar o potencial do mercado único, a coordenação de políticas económicas e aceder a fundos comunitários, com reflexos na modernização da infraestrutura do País, das telecomunicações e dos transportes à energia e à educação. A adesão à moeda única trouxe uma preciosa estabilidade monetária ao País.
Portugal queria ser mais europeu. E conseguiu. Isso refletiu-se no bem-estar dos portugueses. Vive-se hoje muito melhor do que há 35 anos, como se verifica no PIB per capita ou em medidas mais diretas de bem-estar recentemente divulgadas pelo Banco de Portugal.
Pelo caminho, fomos colmatando aquele que era, possivelmente, o nosso principal défice: as qualificações dos portugueses. Reflexo do atraso histórico neste campo, Portugal tem ainda hoje a mais elevada percentagem da população sem Ensino Secundário concluído entre os países da UE (41%), devido ao baixo nível de escolaridade da população menos jovem. No entanto, essa percentagem caiu para metade face ao início dos anos 90. Aliás, se olharmos apenas para a fatia da população entre os 25 e os 34 anos, Portugal está hoje já perto da média europeia no peso dos licenciados nessa faixa etária.
O ponto de partida era mau, mas o País deu o salto em frente
O arranque do século XXI foi muito desafiante para nós, com dificuldades estruturais de integração na moeda única, a mais violenta implosão financeira em 80 anos, uma crise da dívida e, claro, os duros anos de austeridade. Mas a retoma trouxe um desenvolvimento importante no mercado de trabalho, com a criação de perto de um milhão de empregos nos últimos dez anos e ganhos salariais reais de cerca de 50%.
Também destes anos recentes nasceu outra transformação estrutural: um consenso alargado na sociedade portuguesa sobre a necessidade de equilíbrio orçamental, que sobreviveria até a uma pandemia.
Mas o trabalho de desenvolvimento de um país nunca está terminado. Portugal possui ainda um mar de fragilidades estruturais. Uma economia de produtividade aquém do desejável, com um peso grande do turismo e sem outros setores de elevado valor acrescentado que se destaquem da mesma forma, salários ainda pouco competitivos, desigualdade ainda elevada e vulnerabilidades em vários serviços públicos e no acesso à habitação.
E o mundo está a mudar à nossa volta. A poeira levantada pelo pós-pandemia ainda não assentou totalmente e a guerra da Ucrânia e outros focos de tensão geopolítica dividiram a economia global ao meio. Ambos os desenvolvimentos têm impacto profundo na segurança, nos preços, nas cadeias de valor e na integração comercial das diferentes regiões. Dificuldades globais com as quais temos de lidar, enquanto gerimos uma ambiciosa transição energética e lutamos pela sobrevivência da habitabilidade no planeta.
Portugal terá de encontrar o seu lugar neste mundo em transformação. Para que esse lugar seja bom, será necessário dar saltos em áreas decisivas.
Teremos de continuar a apostar na qualificação da população. O progresso alcançado nos últimos anos é impressionante – os nossos jovens estão entre os mais qualificados da Europa. Mas a velocidade de mutação da economia obriga a flexibilidade. Desenvolvimentos como a Inteligência Artificial podem ter efeitos imprevisíveis e vorazes. Quem diria, há poucos anos, que estaríamos a falar de programadores informáticos como uma profissão ameaçada?
Insistir na qualificação dos mais jovens, na capacidade de continuar a aprender e na formação ao longo da vida dará frutos para a produtividade nacional e dinamizará a criação de riqueza, criando um círculo virtuoso entre empresas mais atrativas e jovens mais motivados e realizados.
No campo demográfico, tem sido fundamental para Portugal receber imigrantes e é uma tendência a manter. Vários setores de atividade, como a agricultura, já hoje não funcionam sem essa mão de obra e ela é essencial para equilibrar a maior longevidade e o envelhecimento da população com efeitos conhecidos no tecido económico e na Segurança Social. Será necessário aprender a integrar melhor os imigrantes que o País vai atraindo.
Para alavancar o desenvolvimento do País, será preciso continuar a desalavancar o Estado, as empresas e as famílias. Também aqui, os avanços foram significativos desde a grande crise financeira. O Estado tem um excedente, a dívida começou a cair e a ideia de contas públicas equilibradas reúne hoje amplo consenso. Mas teremos de encontrar uma fórmula que concilie esse equilíbrio com pressões inevitáveis sobre a despesa futura, nas áreas da defesa, da transição climática, da saúde, da educação e das pensões.
Do lado do setor privado, também houve mudanças, a começar pela redução do grau de endividamento. A banca está hoje substancialmente mais sólida, com melhores indicadores do que muitos outros países europeus, e cumprindo a tarefa de fazer chegar crédito à economia. Porém, um crescimento de maior fôlego numa economia não existirá sem inovação e ela precisa de um nível de risco que não temos (e, possivelmente, nem queremos) no setor bancário. Abrir o capital das empresas é uma via, assim como o desenvolvimento do mercado de capitais. Neste campo, os saltos que Portugal possa dar têm de ser acompanhados pela subida do teto europeu, onde há muito está feito o diagnóstico – é preciso criar uma união do mercado de capitais – sem que tenha sido possível concretizá-lo. Além de uma melhor arquitetura institucional para que se possa investir com diferentes níveis de risco e com diversificação, também será preciso estimular esse apetite. A literacia económica e financeira deverá ensinar a separar bem as situações em que se quer ser mais conservador daquelas em que se quer apostar com maior retorno possível. Faz falta uma cultura de risco.
Nas próximas décadas, Portugal precisará também de aprofundar uma área em que se tem destacado: a transição energética. Depois de ter sido rápido a colocar no terreno novas fontes de produção de energia, é essencial aprofundá-las e dar o salto para a mobilidade verde. Um eixo decisivo será a ferrovia. Uma boa rede de alta velocidade aproxima-nos da Europa e uns dos outros, com efeitos económicos e sociais. O que significará fazer Porto-Lisboa em menos de 1h30? Que efeitos terão ligações mais rápidas e convenientes aos centros das grandes cidades na poluição e na pressão imobiliária?
Num mundo cada vez mais fragmentado, temos assistido ao esforço de vários países e regiões para reforçarem a sua produção nacional, com uma aposta crescente em políticas industriais que aproveitem as vantagens competitivas que já possuem ou criem novas. Portugal e a Europa devem resistir à tentação do protecionismo, mas têm de encontrar um equilíbrio que lhes permita ter na base das suas economias atividades de elevado valor acrescentado.
Os EUA quebraram esse “tabu”, com peças de legislação ambiciosas lançadas por Joe Biden. Na Europa, o Next Generation EU foi um passo importante, mas possivelmente insuficiente. Para não ficar para trás, Portugal terá de responder a duas perguntas nos próximos 35 anos: no que somos bons? No que queremos ser bons? Energias renováveis, moldes, ligação automóvel-aeronáutica e biotecnologia são setores que cruzam potencial com recursos já existentes e capacidade de arrastamento para o resto da economia. Como aproveitar os ganhos com Inteligência Artificial e a mudança de perfil energético que, em contraste com o passado, parece beneficiar-nos? Será que uma economia mais tecnológica e “artificial”, no futuro, vai libertar tempo às pessoas e fazer das artes, do entretenimento e do lazer os setores prioritários? Será que podemos preparar-nos para sermos anfitriões desse futuro?
Compensado algum do atraso histórico com que chegámos à democracia e ultrapassadas muitas das crises de magnitude histórica que vivemos, Portugal tem a oportunidade, num ponto de viragem da economia mundial, de definir o seu perfil de especialização para o resto do século. Depois de vários pulos de desenvolvimento, é altura de dar outro salto. Para o desconhecido, mas com um mapa. E com esperança. Dentro de 35 anos, esperemos que os leitores da EXAME conheçam aqui os resultados. Num patamar mais alto.
Opinião publicada na edição do 35º aniversário da EXAME