A poucos dias das eleições, a agressividade da campanha eleitoral levou-nos a uma espécie de leilão de promessas sem limites. O exercício demagógico era habitualmente praticado pelos partidos mais radicais, que se podiam dar ao luxo de prometer tudo e mais um par de botas, porque nunca governariam. Acontece que isso contaminou o discurso público, puxando cada vez mais para a frente a linha do aceitável. Ou seja: agora, praticamente de um lado ao outro, todos prometem mundos e fundos, tudo a todos, sem que haja um plano credível sobre como tudo isso se pagará e com que custos para todos nós.Isto fez-me lembrar uma conhecida música de Sérgio Godinho, editada no já longínquo ano de 1979. Falo de “Cuidado com as Imitações”, tomando a liberdade de transcrever alguns versos:
“Lá na aldeia havia um homem que mandava/ Toda a gente um por um pôr-se na bicha/ E votar nele e se votassem lá lhes dava/ Um bacalhau, um pão de ló, uma salsicha
E prometeu que construía um hospital/ Uma escola e prédios de habitação/ E uma capela maior que uma catedral/ Pelo menos a julgar pela descrição
Mas o Casimiro que era fino do ouvido/ Tinha as orelhas equipadas com radar/ Ouvia o tipo muito sério e comedido/ Mas lá por dentro com o rabinho a dar a dar.”
Na canção, Casimiro sabia que tinha de pensar pela sua cabeça e não se deixar enganar por promessas e imitações de gente séria, porque, lá está: “O Casimiro que era tudo menos burro/ E tinha um nariz que parecia um elefante/ Sentiu logo que aquilo cheirava a esturro/ Ser honesto não é só ser bem-falante.”
Ora pois!
Estão a mentir-nos, e só estão a mentir-nos porque nós deixamos, porque isso funciona. Uns prometem tudo a todos, propondo políticas que até são contraditórias entre si, numa simples lógica de “quando lá chegar logo se vê”, já preparados para arranjar uma desculpa qualquer. Outros são um pouco mais elaborados e até talvez bem-intencionados, apostando numa fórmula mágica que fará disparar o nosso ritmo de crescimento e, assim, garantirá meios para pagar tudo o que está nos programas eleitorais. Nenhum, neste campeonato, está a ser sério.
Não foi assim há tanto tempo que nós, eleitores, premiámos quem parecia honesto, responsável, conservador com o nosso dinheiro, preocupado com o longo prazo. Temos de recuperar esse hábito, independentemente das forças políticas em causa. Não nos ofereçam soluções fáceis ou balas de prata, que soam bem mas não têm nada dentro. Deem-nos um plano credível e levem-no até ao fim.
Cuidado com as imitações.