Diariamente, sem exceção, são partilhadas através do Portal da Queixa, experiências negativas com elevadas perdas financeiras para os consumidores, na sequência de esquemas de burla e fraude digital. Números que ascendem a centenas de milhares de euros, apenas na primeira metade do ano, com um registo de aumento na ordem dos 130%, quando relacionado apenas com as práticas fraudulentas por phishing através de cartões de crédito. As histórias repetem-se a cada dia que passa, chegando a ultrapassar as 600 por mês! São cada vez mais, os consumidores que arriscam a entrar no mundo online, aliciados por estratégias de marketing que premeiam o uso dos canais digitais, sem possuírem o mínimo de conhecimento para o risco que enfrentam, colocando a sua segurança em causa.
As formas de burla e fraude online são tão diversificadas, que dificulta a sua enumeração em lista, para poder servir como um guia de problemas a evitar. O perigo tanto pode espreitar na forma de venda pelo canal utilizado, como pelo produto, até à forma de pagamento. Para se conseguir dominar todas as boas práticas de compra online em segurança, são necessários vários anos de experiência e contínua aprendizagem. A preocupante condição, que todas estas histórias têm em comum, está infelizmente relacionada com a falta de literacia, na utilização de ferramentas digitais.
Portugal continua a ocupar o miserável 52º lugar (o pior da Europa) no ranking mundial de países com maior literacia digital, segundo o estudo “The Inclusive Internet Index” do prestigiado órgão de comunicação social – The Economist.
Segundo o governo português de António Costa, a forma de combater a desigualdade social foi criar inúmeros gabinetes e pastas governativas, como a secretaria de Estado para a Transição Digital, a secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade e a secretaria de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor. Face ao tema em apreço e a meio do segundo mandato, que resultado obtivemos até então? Um aumento exponencial de consumidores vítimas de burla e fraude informática, com perdas e danos irreversíveis na confiança digital.
De acordo com os dados do Centro Nacional de Cibersegurança, no ano passado, foram registados 1418 casos de cibercrime. Destes, 649 referem-se a fraudes, com destaque para os esquemas por phishing, que dispararam de 236 para 613. Segundo aponta o Relatório Anual de Segurança Interna 2020 (RASI), as práticas de fraude têm sido facilitadas pela “crescente facilidade e normalidade do recurso ao comércio eletrónico, frequentemente sem as necessárias e adequadas regras de segurança.”
Com este exemplo, pretendo demonstrar que para conseguirmos uma evolução considerável de literacia digital, na sociedade portuguesa, é necessário existirem reais catalisadores de mudança, que considerem as variáveis sociais. Estímulos que potenciem o interesse na aprendizagem e a continuidade na percussão de competências que são mais exigentes a cada dia que passa, por conta da evolução tecnológica. Não podemos utilizar um discurso demagogo em prol de uma utopia. Dar a ideia que os portugueses serão capazes de utilizar ferramentas digitais, com segurança e literacia suficiente para serem autónomos, com iniciativas como o “Eu sou digital”, cuja ambição é promover a capacitação digital de um milhão de adultos em Portugal até ao final de 2023, através de uma formação básica ministrada por voluntários sem a eficiente validação das suas competências, é perigoso e pode ter impacto irreversível na confiança dos consumidores, nomeadamente na utilização do comércio eletrónico. Com tantas entidades e empresas de considerável reputação associadas a este projeto “Eu sou digital”, será que ninguém questionou a sua volatilidade e o perigo que poderá representar?
A formação de competências digitais deve ser uma matéria de grande responsabilidade e compromisso, e não uma iniciativa para atingir KPI’s de headlines.
Na sociedade em rede, é inegável a importância da literacia dos consumidores, como fator de empoderamento e potenciador de uma cidadania ativa e inclusiva. A posse ou não dessas competências digitais, são elementos decisivos no processo de inclusão ou exclusão social, por isso não podem ser matérias de governação tratadas com a leviandade a que assistimos, nos últimos anos.
Por conseguinte, é cada vez mais urgente uma política que salvaguarde o aumento da literacia digital dos consumidores portugueses, para mitigar os problemas associados às compras através do comércio eletrónico, sob pena de poderemos estar a assistir à consequente desconfiança por parte destes e à quebra das vendas no setor, caso não se apliquem políticas de consciencialização e ações pedagógicas, na medida em que, o conhecimento será sempre a melhor arma no combate as práticas fraudulentas.