Mais de uma década depois de ter assumido o cargo de presidente do poderoso Bundesbank, Jens Weidmann pediu para sair do cargo no final do ano, alegando “motivos pessoais”. O banqueiro central alemão de 53 anos tem sido uma das vozes mais críticas sobre as políticas ultraexpansionistas e não-convencionais do Banco Central Europeu (BCE), como alguns programas de compras de dívida e taxas de juro baixas por um período indeterminado de tempo. Era o líder dos “falcões” no Conselho de Governadores, os decisores de política monetária mais ortodoxos e que se opõem a medidas que possam aumentar o risco de subidas excessivas da inflação ou que pisem os limites do mandato concedido ao banco central.
Na Alemanha já começou o jogo para encontrar o sucessor, tema que deverá fazer parte das negociações para a formação de um novo governo. Os analistas apostam que será uma mulher a substituir Weidmann e que se irá optar por alguém com um perfil menos confrontativo. O líder do Bundesbank chegou a ser apontado como o candidato mais forte a suceder, em 2019, a Mario Draghi no leme do BCE. Mas o estilo mais crítico e a defesa de políticas monetárias restritivas causaram fortes resistências dos países do Sul da Europa e a escolha sobre quem iria segurar as rédeas do euro acabaria por recair em Christine Lagarde.
Nos últimos meses, e de forma coerente com a atuação que teve na última década, o presidente do Bundesbank tem pressionado para uma retirada rápida do programa de compras que o BCE pôs no terreno para conter a pressão da crise pandémica na economia. Weidmann mantém um braço-de-ferro com as “pombas” do BCE, os membros do Conselho de Governadores que defendem medidas mais flexíveis, favoráveis ao crescimento e que têm uma maior tolerância em relação às subidas da inflação.
“Falcões” a acenar a “bandeira branca”?
A saída de Weidmann surge numa altura em que a inflação na Zona Euro subiu para um valor bem superior ao da meta de 2% definida pelo BCE. Em setembro foi de 3,4% e na Alemanha, que tem um trauma histórico com a evolução dos preços, fixou-se em 4,1%, o que tem causado bastantes críticas sobre as políticas que têm sido seguidas pela instituição liderada por Christine Lagarde. Os responsáveis do BCE que advogam medidas de política monetária mais expansionistas têm defendido que esta evolução da inflação é transitória e que no médio prazo as projeções são de que fique abaixo de 2%, o que serve de argumento para se manter os estímulos monetários. Mas os relatos da última reunião de política monetária mostraram que os “falcões” teme que essas previsões pequem por defeito.
Na carta em que informa o staff do Bundesbank da decisão de pedir a saída do cargo, Weidmann deixou alguns avisos: “Será crucial não olhar exclusivamente para os riscos deflacionistas, mas também não perder de vista os potenciais perigos inflacionistas”, defendeu. Acrescentou que “as medidas de crise com a sua extraordinária flexibilidade apenas são proporcionais na situação de emergência para que foram criadas”, argumentando ainda que a política monetária deve “respeitar o seu mandato restrito e não ser apanhada no rasto da política orçamental ou dos mercados financeiros”. Carsten Brzeski, economista do ING, refere numa nota a investidores que “se alguém quiser ver na decisão de Weidmann algum simbolismo contra a atual política monetária”, aquelas afirmações seriam “um sinal claro” nesse sentido.
Desde o início do mandato de Mario Draghi, no final 2011, o grupo dos decisores que defendem políticas menos expansionistas tem tido uma voz menos relevante sobre o rumo do BCE. David Marsh e Pierre Ortlieb, presidente e diretor de análise política do Fórum Oficial das Instituições Monetárias e Financeiras, interpretam a decisão do presidente do Bundesbank como um “acenar da bandeira branca”. Os responsáveis desse grupo de reflexão consideram, num artigo, que “a frustração de Weidmann de ser um membro permanente de uma ‘minoria estrutural’ no conselho do BCE foi um grande fator para a sua decisão”. E a saída do atual presidente do Bundesbank pode enfraquecer ainda mais essa fação, onde se incluem os governadores dos bancos centrais da Áustria e Países Baixos por exemplo. “O campo dos falcões vai perder uma voz importante”, considera Carsten Brzeski.
O último confronto entre Weidmann e as “pombas” deverá acontecer na decisiva reunião de política monetária do próximo mês de dezembro, em que se irá discutir se as medidas atuais de apoio à economia continuam a fazer sentido. Carsten Brzeski refere que as “perspetivas de inflação mais alta e o regresso da economia a níveis pré-crise antes do fim do ano começam a criar argumentos fortes para a retirada dos estímulos de emergência do BCE e o início da redução das compras de ativos”. O economista do banco ING comenta que caso se venha a decidir nesse sentido, poderia ser uma “última vitória” de Weidmann enquanto presidente do Bundesbank.
Um sucessor mais moderado?
Coincidência ou não, Weidmann sai do Bundesbank sensivelmente na mesma altura em que Merkel, de quem foi conselheiro económico, se retira da vida política. A decisão sobre quem será o sucessor deverá ser um tema quente negociações para a formação de um novo executivo, já que Merkel deixará a nomeação para o próximo governo.
“O sucessor de Weidmann será provavelmente recetivo às visões do próximo governo em assuntos como as alterações climáticas e a Europa”, considera Andrew Kenningham, num relatório. O economista da consultora Capital Economics adianta que se for esse o caso “será mais fácil para o BCE encontrar acordos para manter indefinitivamente um balanço grande para ajudar a conter os riscos de fragmentação”.
O provável futuro chanceler alemão, Olaf Scholz, tem defendido a inclusão de mais mulheres em cargos económicos de topo. Com base nessas indicações, David Marsh e Pierre Ortlieb consideram que a escolha mais provável recaia em Claudia Buch, atual vice-presidente do Bundesbank. Outras possíveis candidatas seriam Isabel Schnabel – que está atualmente na comissão executiva do BCE – e Bettina Stark-Watzinger ou Katja Hessel, deputadas do Partido Democrático Liberal. Já Sabine Mauderer, administradora do Bundesbank com o pelouro das finanças sustentáveis, poderá ser uma das favoritas do Partido Social-Democrata de Olaf Scholz, segundo os responsáveis do Fórum Oficial das Instituições Monetárias e Financeiras.