Os mercados financeiros mundiais tiveram quedas nos últimos dias a fazer lembrar o pior da crise financeira de 2008. Os investidores já mostravam alguma apreensão quando o surto do novo coronavírus paralisou uma parte significativa da segunda maior economia do mundo. Mas, à medida que o Covid-19 se alastra um pouco por todo o globo, instalou-se o pânico nos mercados financeiros.
Existem quase 84 mil casos confirmados, quase 37 mil recuperados e 2.867 mortes. A maioria dos casos ainda são referentes à China, onde o novo coronavírus surgiu. Mas foram já confirmadas mais de cinco mil infeções noutros países. “O registo e aceleração de casos na Coreia do Sul, Irão e Itália criou receios de que o vírus pode ter um impacto bem maior nos mercados financeiros que o antecipado inicialmente”, notam os especialistas da gestora britânica Schroders, numa nota a investidores.
Se quando o vírus estava circunscrito à China se faziam contas de qual seria o impacto na segunda maior economia do mundo, nesta fase as preocupações já são sobre os estragos que o Covid-19 pode trazer para o crescimento global.
O vírus propagou-se à Europa, com 815 casos confirmados e 19 mortos. Neste continente, a grande maioria dos infetados e das vítimas mortais ocorreram em Itália, com 650 casos de coronavírus e 17 mortes, segundo dados do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças. “A multiplicação do número de casos confirmados na última semana na Europa aumenta o risco de recessão”, avisam os economistas da Capital Economics, numa nota a que a EXAME teve acesso. Explicam que “se o vírus tivesse ficado confinado à China, a maior ameaça para a Europa seria a queda das exportações e problemas na cadeia de produção”. Mas com o coronavírus no Velho Continente, além dessas consequências, a economia europeia pode também ser atingida por uma quebra no investimento e na confiança de empresários e consumidores.
Já nos EUA, que registam 60 casos, os analistas do Goldman Sachs avisaram que devido às consequências do coronavírus, como a interrupção das cadeias de produção, as empresas americanas não conseguirão aumentar os lucros. E consideram que se o Covid-19 evoluir para uma pandemia é bem provável que também a maior economia do mundo entre em recessão.
Esses receios ficaram bem demonstrados esta semana, com quedas acentuadas nas bolsas e nos preços das matérias-primas como o petróleo. Os danos surgem numa fase de final de ciclo de subida das bolsas, e em que muitos analistas já mostravam dúvidas que o mercado pudesse continuar a subir. Além disso, a economia mundial está numa fase de maior vulnerabilidade e crescimento, o que lhe retira capacidade para absorver os impactos relacionados com o coronavírus. No mercado, já se começa a contar com mais medidas de apoio dos bancos centrais. Mas há preocupações de que, após terem gastado quase todas as armas na última década, entidades como Banco Central Europeu e a Reserva Federal dos EUA disponham de poucos instrumentos que sejam eficazes para lidar com uma situação de pressão nos mercados financeiros e na economia.
Os receios ficaram bem demonstrados nos dados vindos das bolsas e das matérias-primas esta semana.
Bolsas com pior semana desde 2008. Aviação e turismo sob pressão
O índice que reúne as 600 maiores cotadas da Europa perdeu mais de 12,5% nos últimos cinco dias. É a maior queda semanal desde outubro de 2008, quando os investidores entraram em pânico na ressaca da falência do Lehman Brothers. As quedas foram generalizadas e a indústria do turismo e da aviação foi particularmente afetada. O índice de empresas desse setor desvalorizou mais de 18% apenas numa semana. O operador turístico Tui desvalorizou mais de 30%. E as ações de companhias aéreas como a Easyjet, a IAG e a Air France perderam mais de 20% apenas numa semana.
Nos EUA, o índice que reúne as 500 maiores cotadas americanas também teve quedas superiores a 12%. E o MSCI World, que mede o desempenho das bolsas mundiais, perde cerca de 10%. A bolsa portuguesa não resistiu ao contágio. O PSI20 perdeu mais de 11%. Estas quedas surgem também numa fase em que as empresas mostram os resultados do ano passado e informam os investidores sobre as perspetivas de negócio para este ano. E, em quase todos os setores, as maiores cotadas têm deixado avisos de que o coronavírus vai condicionar os resultados financeiros de 2020.
O Goldman Sachs avisou, citado pela CNBC, que as cotadas americanas poderão interromper o ciclo de subida dos lucros devido “à descida severa da atividade económica chinesa no primeiro trimestre, à menor procura por exportadoras dos EUA, aos problemas na cadeia de abastecimento de muitas empresas dos EUA, ao abrandamento da atividade económica dos EUA e à elevada incerteza dos empresários”.
Petróleo abaixo dos 50 dólares. Produtores preparam-se para responder
A incerteza sobre a evolução do coronavírus e sobre as medidas de contenção que as autoridades podem vir a ser forçadas a tomar leva a que os investidores receiem uma travagem brusca da atividade económica. Isso penaliza as matérias-primas como o petróleo. O preço do barril de brent, negociado em Londres, tombou quase 15% nesta última semana, negociando ligeiramente abaixo de 50 dólares. Em Nova Iorque, o barril do West Texas Intermediate já vale menos de 45 dólares.
Esta queda nos preços poderá forçar a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) a fazer, em conjunto com a Rússia, mais cortes de produção na reunião da próxima semana. “O mercado espera bastante da OPEP dado o impacto do Covid-19 na procura. É claro que a OPEP terá de tomar medidas, mas o nível necessário de cortes não é muito claro”, dizem os analistas da ING, numa nota a que a EXAME teve acesso.
Além de preços baixos no petróleo ameaçarem as finanças dos países da OPEP, podem também significar problemas nos EUA. “A economia americana pode ficar exposta se os preços baixarem dos 40 dólares, o que colocaria problemas à enorme indústria de petróleo de xisto nos EUA, o que arriscaria a desencadear uma recessão”, consideram os analistas da Pictet. De referir que este setor está altamente endividado e muitas empresas que se aventuraram nesse mercado têm uma situação financeira fraca.
Além do petróleo, outras matérias-primas industriais continuam a perder valor. O cobre, por exemplo, que até começou a ressentir-se antes do caos nas bolsas, acumula já uma desvalorização de 11,5% desde meados de janeiro.
Refúgio em dívida americana e alemã. Esperança nos bancos centrais
Os medos em torno do coronavírus levaram os investidores a sair das bolsas e a colocar o dinheiro em ativos que vêm como mais seguros, casos da dívida americana e alemã. Isso contribuiu para uma descida expressiva dos juros das obrigações desses países. A taxa americana a dez anos caiu de 1,47% para 1,17% e o juro da dívida germânica baixou para níveis ainda mais negativos, passando de -0,43% para -0,60%. Os receios são de tal ordem que os investidores aceitam perder ainda mais dinheiro para alocar dinheiro em títulos germânicos.
Além da fuga para dívida soberana ser um dos típicos movimentos dos investidores em alturas de incerteza, a dimensão das quedas das taxas americana e da dívida de países europeus indicia que o mercado está a contar com mais cortes de juros dos bancos centrais para ajudar a conter os impactos económicos do coronavírus. Alguns responsáveis da Reserva Federal dos EUA já deixaram a porta aberta a cortes nos juros caso o coronavírus evolua para pandemia e o mercado está já a incorporar a possibilidade de uma descida de 0,25 pontos percentuais em março. Já Christine Lagarde, presidente do BCE, garantiu, citada pelo Financial Times, que se está a monitorizar a situação mas que ainda não se chegou ao ponto do surto ser um choque com efeito duradouro na inflação da Zona Euro.