Suécia e Reino Unido são dois casos de sucesso na adoção de cigarros eletrónicos na Europa, com as mais baixas taxas de prevalência de tabagismo, de 7 e 12%, respetivamente. Números que contrastam com a média de 23% nos países da União Europeia, e um cenário que confirma que os fumadores procuram produtos com nicotina, mas privilegiam as opções mais seguras.
Ao longo das últimas décadas, as tabaqueiras têm procurado adequar os seus produtos à procura do mercado e, em simultâneo, ir ao encontro da crescente preocupação com a saúde, a nível global. Desta mudança de paradigma resultaram um conjunto de soluções – do cigarro eletrónico ao tabaco aquecido, passando pelas bolsas de nicotina – que, apesar da elevada adoção em alguns mercados, ainda se debatem com restrições regulatórias em muitos países. Barreiras difíceis de ultrapassar mesmo com os argumentos de milhares de pesquisas, resultantes da investigação científica apoiada pelos grandes players desta indústria. O objetivo é comprovar que o problema dos cigarros não está na nicotina – uma substância considerada de baixo risco –, mas nos milhares de toxinas libertadas durante o processo de combustão.
A própria indústria procura encorajar os fumadores a deixar a nicotina, recorrendo a produtos que contêm concentrações mais baixas desta substância, travando os efeitos nocivos da combustão. Contudo, Governos e, mais recentemente, a Organização Mundial de Saúde, acusam as tabaqueiras de falta de transparência em relação aos dados que divulgam. “Empresas de tabaco são vistas como o vilão da indústria”, disse recentemente Jonathan Fell, fundador da Ash Park Global Consumer Franchise Funds, empresa focada em investimentos de longo prazo em diversas indústrias de consumo, incluindo a do tabaco. O investidor, que falava durante o Global Forum on Nicotine (GFN) que, ao longo de dois dias, debateu o futuro da nicotina sob as perspetivas da indústria, dos governos, e dos consumidores, acredita que estas empresas têm que continuar a disponibilizar informação e a demonstrar a sua especialização no tema, de forma a criar laços de confiança com os consumidores. E aqui, reforça, “os investidores têm um papel muito importante a desempenhar”. Para Jonathan Fell, esta indústria não tem que ser “lucro versus saúde”. Ao adaptarem os seus produtos ao mercado, as tabaqueiras podem – e devem, segundo o fundador da Ash Park Global – procurar cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), definidos pelas Nações Unidas, para conseguir o apoio de investidores, que cada vez mais valorizam as empresas que cumprem os ODS.
Argumentos pro e contra
A polémica recente, gerada por um comunicado divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) voltou a incendiar esta indústria que se debatia já com os entraves regulatórios de alguns países em relação aos produtos que promovem a redução dos efeitos nocivos do tabaco. Como resposta, centenas de especialistas ligados ao setor da saúde subscreveram uma carta, enviada ao diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, acusando a instituição de divulgar informação “inadequada, baseada em dados científicos questionáveis, e numa análise pobre e comprometida por interesses específicos”.
Do outro lado da barricada, Gerry Stimson, diretor do Global Forum on Nicotine (GFN), recorda que mais de 98 milhões de consumidores em todo o mundo já optaram por produtos com nicotina mais seguros. O professor emérito do Imperial College of London exemplifica: “em Inglaterra, as autoridades de saúde apoiam a utilização de cigarros eletrónicos para deixar de fumar, e na Suécia, onde as bolsas de nicotina praticamente substituíram o tabaco, a taxa de mortalidade relacionada com o fumo é a mais baixa da Europa”. Outro caso de sucesso é o Japão, onde as vendas de tabaco caíram um terço desde a introdução do tabaco aquecido no mercado. O desafio, aponta o professor, “é que os fabricantes consigam garantir que as alternativas mais seguras são acessíveis também nos países de baixo ou médios rendimentos”.
A verdade é que, diariamente, 1,1 mil milhões de fumadores em todo o mundo ainda consomem cigarros de combustão, um número que se mantém estagnado há mais de vinte anos, apesar dos esforços de redução por parte da indústria. Destes, 8% vivem em países de baixos rendimentos, com menos oportunidades de procurar alternativas. “O tabaco é a maior causa de desigualdades na saúde”, diz Gerry Stimson. Basta olhar para o número de óbitos por Covid-19 – que já somam mais de 3,8 milhões em todo o mundo –, mas que representam menos de metade das mortes anuais provocadas pelo tabaco, para compreender que “esta guerra de interesses tem que terminar”. Mais do que apontar culpas e erros, a solução está numa tentativa de trabalho conjunto entre a indústria, os governos e a comunidade científica. Em nome da saúde dos consumidores.