Portugal tem um problema de avaliação. Os governos colocam medidas no terreno e esperam obter certos resultados, mas não existe um sistema abrangente no terreno que seja responsável por avaliar se elas corresponderam às expectativas ou se foram uma desilusão.
“A ausência de um sistema robusto de avaliação de políticas públicas tem custos financeiros, de eficácia e políticos. Faz com que se gaste dinheiro em medidas que não o justificam. Não permite que se aprenda com os erros. E diminui a legitimidade e o apoio dos cidadãos a políticas que muitas vezes até o mereciam”, explica Ricardo Paes Mamede à EXAME.
O economista e presidente do IPPS-ISCTE está a organizar uma conferência sobre “Avaliação de Políticas Públicas”, que terá lugar terça-feira, dia 28 de janeiro. Para os organizadores, a urgência em discutir o tema explica-se pela fragilidade deste campo em Portugal
Num país onde a avaliação não abunda, não é surpreendente que esse fenómeno não esteja muito… avaliado. Faltam dados e até as comparações internacionais são limitadas, mas a informação que existe sugere que há muito por onde melhorar.
As iniciativas que existem têm normalmente origem em exigências vindas de fora. “A avaliação em Portugal resulta sobretudo de uma pressão externa, associada à aplicação de Fundos Europeus Estruturais e de Investimento”, escreve João Vasco Lopes, investigador do CoLABOR, num estudo que será apresentado na conferência de amanhã. Isto significa que ficam de fora centenas de medidas relacionadas, por exemplo, com subidas/descidas de impostos ou com regulação.
Mesmo nas avaliações de projetos financiados por fundos comunitários, Portugal não pontua bem. Num documento publicado no final do ano passado pela Comissão Europeia, a Polónia tinha 268 avaliações publicadas desde 2015 relacionadas com projetos com financiamento comunitário. Espanha e Alemanha tinham mais de 90 e quase todos os países apresentavam, pelo menos, valores nos dois dígitos. Portugal tinha apenas 6. É o quinto mais baixo entre os Estados-membros analisados.
“A avaliação surge muitas vezes por obrigação formal e não como um mecanismo de autorregulação e de melhor governação, ao contrário do que acontece noutros países, que o fazem por terem essa cultura enraizada no espaço público”, diz Paes Mamede, no comunicado enviado pelo ISCTE. “Se não se avaliar o que está a ser implementado, torna-se difícil perceber se a medida está a produzir o efeito que era suposto. Só assim conseguiremos perceber se é necessária uma mudança, ou escalar o que está a correr bem, atribuindo-lhe uma maior amplitude.”
Quando a EXAME lhe pergunta que políticas teria mais curiosidade de ver avaliadas, o economista refere a atividade da Instituição Financeira para o Desenvolvimento, os incentivos à produção de energia eólica, os apoios ao arrendamento e o impacto da descida do IVA da restauração, que regressou aos 13% em 2016.
Este último é um exemplo interessante. Nesse caso, tal como para a subida do salário mínimo, o Governo até apresentou um relatório de impacto. Contudo, além de ser importante a distinção entre “avaliação” e “monitorização”, esse trabalho deveria ser feito por alguém relativamente isolado do poder político que colocou a medida no terreno. Pode até estar integrado no Estado, mas convém ser independente.
“Podemos dizer que a avaliação de políticas públicas em Portugal é um domínio recente, que ainda apresenta sinais de alguma imaturidade”, sublinha Vasco Lopes. Uma atividade “pulverizada” por várias entidades, normalmente “carecidas de capacidades adequadas para lhe dar resposta”.
A saúde e educação são dois dos campos onde há mais necessidade de avaliação. “Em Portugal existem algumas estudos e debate em torno de relatórios como o PISA, mas falta uma lógica regular e sistemática de avaliação, pelo menos que sejam amplamente do conhecimento público”, diz Ana Diogo, técnica da Presidência do Conselho de Ministros.
Na área económica, existem algumas instituições que podem dar a impressão de que constituem uma infraestrutura de avaliação, como é o caso da UTAO ou do Conselho das Finanças Públicas. Mas elas próprias reconhecem não ser esse o seu papel. Teodora Cardoso explicava em 2015 que falta “construir uma panóplia de ferramentas adequadas, que exigem informação sólida e conhecimentos específicos, a nível macro mas também setorial”. Leia-se, é necessário acompanhar e dominar as subtilezas de cada área. A ex-presidente da instituição assumia a “ausência de avaliação pelo CFP de programas de política económica”.
Perante a inexistência de um sistema montado, o setor privado tem assumido um papel importante. Existe uma espécie de indústria de avaliação, constituída por empresas de consultoria, com elementos que normalmente já fizeram parte de governos ou da administração pública.
“Podemos asserir que o papel desempenhado pelo sector privado nas políticas públicas enquadra-se no contexto de uma administração pública mais orientada para a regulação do que para o planeamento e estratégia, desprovida de capacidade de resposta para os desafios colocados pela formulação e avaliação das políticas públicas, marcada por uma crescente pressão para a eficiência e redução de custos, e por uma tendência descentralizadora e com reforço do municipalismo”, refere João Vasco Lopes, que reconhece que as vantagens do envolvimento de privados (autonomia, inovação) convivem com alguns problemas (vulnerabilidade a interesses privados, volatilidade das políticas).
João Vasco Lopes conclui que, embora “meritória em alguns domínios”, a avaliação em Portugal “apresenta debilidades merecedoras de reflexão”, seja pela dependência de pressão exterior, a falta de preparação institucional no Estado ou a “incipiente procura pela avaliação, por entidades públicas e pelos próprios cidadãos”.
Para o futuro, seria importante concentrar esforços para melhorar esta área. Pior do que colocar no terreno medidas que fracassam é nem sequer sabermos se elas não estão a resultar.