Enquanto cá fora se monta o palco que receberá os espetáculos de Natal, dentro do Le Monumental Palace reina o silêncio, entrecortado apenas pelos risos dos grupos de amigos que bebem um copo, ao final do dia, no bar Américain. Instalado num edifício datado de 1923, o hotel abriu as portas em novembro de 2018, depois de três anos em obras de reabilitação – realizadas pela Mystic Investment, de Mário Ferreira. Adquirido, então, pelo fundo de investimento Grupo Paris Inn, passou a operar sob a marca Maison Albar Hotels (MAH), pertencente aos Leading Hotel of the World.
À nossa espera está o chef Julien Montbabut, um francês radicado em Portugal, atrás do balcão do bar Américaine. Está rodeado de ervas, frutos, flores e especiarias, bem como de garrafões de vidro onde se acomodam vinagres vários que produz para o restaurante. “Trabalhei, em Paris, durante muitos anos com um chef que não gostava de pimenta e não usava na cozinha. Nessa altura, aprendi a temperar vinagres e a usá-lo como substituto em muitos pratos”, confidencia num português seguro.
É de sorriso descontraído no rosto que nos conta, também, como a Covid-19 foi, para si, uma oportunidade para melhorar o trabalho que estava a fazer no Le Monument. “Quando cheguei fazia uma cozinha francesa clássica, porque foi o que sempre fiz e sabia fazer. Mas não estava confortável. Não me estava a fazer muito sentido, até em termos de produtos utilizados, muitos deles vindos de França”, admite. “Mas não sabia fazer melhor, não conhecia os produtores cá, portanto trabalhei, apenas. Quando o hotel fechou, no Grande Confinamento, tive tempo para pensar no projeto e fazer a cozinha do Le Monument evoluir para aquilo que é hoje: uma cozinha mais contemporânea, com influências portuguesas, e onde 90% dos produtos utilizados são nacionais e, muitos deles, locais”.
Dos espargos verdes ao porco bísaro, passando pelo chá, o alho selvagem ou a carne, tudo vem de terras nacionais, garantindo maior sustentabilidade e mais coesão no projeto.
Vinagre Caseiro
É nesse sentido, também, que Julien se dedica ao vinagre, “um produto ótimo que pode ser usado em todos os pratos”, dando um sabor especial e uma acidez muito inesperada em alguns dos casos. E, hoje, o chef está também a partilhar com os jornalistas presentes a receita para fazer alguns dos vinagres que tem a uso no restaurante – daí todo o aparato montado no balcão do bar.
Há vinagre de folha de figueira, de estragão, de funcho, de framboesa, de mimosas…Há até vinagre já com três anos, que ganhou novos sabores. “Pode fazer-se vinagre de praticamente todas as coisas!”, garante, divertido o chef.
O momento de aprendizagem antecede o jantar, que acontece logo depois no Le Monument. O restaurante conquistou a primeira estrela Michelin em 2022, tendo sido renovada em março deste ano. E se tínhamos dúvidas sobre o conhecimento nacional do chef, começamos a deixá-las cair quando olhamos para o menu: chama-se “passeio” e cada momento tem o nome de uma cidade ou vila portuguesa. Mas primeiro, um couvert “Sentir-se português”, onde é servido pão com flor de sal e azeite Vale de Vasco produzido em exclusivo para o Le Monument.
Seguimos viagem para despertar os sentidos, e comemos gamba rosa, cogumelo e novilho, numa espécie de sumário dos sabores portugueses – sendo a gamba rosa a mais bem conseguida em termos de sabores e frescura. E descemos, então, até Matosinhos, de onde nos chega peixe galo, daikon e vinagre de folha de figueira (lá está!). Um prato simples, que sabe a mar e a frescura. Em Vila do Conde é tempo de sapateira, mostarda savora e yuzo, num prato com bastante complexidade de sabres, frescos e que vão evoluindo na boca, onde as diferentes texturas funcionam muito bem.
Continuamos a percorrer o País e paramos em Coimbra, para um bacalhau com tremoço e pil-pil – justo, correto, não particularmente surpreendente – e logo depois provamos um pargo com alho francês e champanhe. Estamos em Peniche, e os sabores da Costa Oeste nacional fazem-se bem presentes no palato. No Vale do Tejo temos pato-real com beterraba (surpreendente!) e depois é tempo de uma infusão de chá verde, maçã e groselha. O momento chama-se Fornelo, em homenagem à Quinta onde o Chá Camélia nasceu em 2011 – hoje, o lugar tem mais de 12 mil pés de Camellia sinensis, em agricultura biológica.
Estômago preparado para as sobremesas, vamos ao momento Da Joana… Podia ser apenas uma expressão portuguesa – que é! – mas é também referência à chef pasteleira Joana Thöny Montbabut. “Decidimos que temos sempre três sobremesas, porque assim as pessoas não precisam de escolher”, brincará Joana no dia seguinte, quando nos explica como chega às suas criações.
Não esteve ao jantar porque o casal de cozinheiros tem dois filhos e, portanto, é preciso dividir tarefas na cozinha e em casa.
“Há sempre uma sobremesa de chocolate porque eu adoro chocolate”, explica divertida. “Depois, há sempre uma com fruta da época e a terceira depende um bocadinho dos produtos que estão mais disponíveis”. Nós tivemos, efetivamente, Chocolate do Brasil, Marmelo, pêra e specullos e ainda um doce de limão e cardamomo. “Posso ser eu a perguntar aos produtores o que eles têm ou vão ter, ou eles a dizerem-me o que há disponível. A criação vem depois de ter essa informação”, resume.
Ao contrário dos pratos do chef Julien, Joana não se inspira nos sabores portugueses para as suas sobremesas. “Adoro os doces portugueses, mas gemas e açúcar são um bocadinho pesados para terminar esta refeição”, atira com uma gargalhada. “Estudei em frança, e toda a minha base é de técnicas francesas, que consideo serem as melhores, porque tendo domínio delas é possível fazer milhares de sobremesas com os produtos que surgirem”, defende.
Também por isso deixa o pastel de nata para quando vai tomar o seu café – “Adoro um café e uma nata! O doce é perfeito: a consistência, o sabor, o tamanho.. – mas no restaurante serve criações que refletem a sua educação francesa.
E, admite, sente a falta do pão francês e da diversidade de legumes que, considera, ainda é muito diferente da que se encontra no país onde estudou – Joana é de origem catalã e suíça, o que explica também o pouco sotaque e a facilidade com a língua portuguesa.
A conversa com a chef pasteleira é tida à mesa do pequeno-almoço, no mezanino do hotel, que recebe também ao domingo um brunch para toda a família – enquanto os adultos têm uma seleção de pratos quentes e frios, de bebidas e de opções de buffet, os mais pequenos têm uma sala de cinema com sala de pipocas para aproveitar o tempo.
Depois de uma viagem gastronómica e de um pequeno-almoço reforçado, é a luz do Porto que nos chama para um passeio ao final da manhã. Afinal, não é todos os dias que a invicta no recebe com um sol radioso e temperaturas de outono, a condizer com os produtos da estação que tivemos oportunidade de provar.
Natal e Ano Novo em destaque
No Le Momument, o Natal e o Ano Novo são celebrados com o glamour e a circunstância que as festividades pedem. Este ano, as ofertas espeicias das festas incluem um brunch, um jantar de degustação (com possibilidade de pairing de vinhos) no dia 24 e ainda um jantar na noite de dia 31 de dezembro, tal como um brunch de ano novo.
Com uma garrafeira com largas centenas de referências, cerca de 15% das opções são internacionais – mas as referências nacionais são uma boa surpresa. Pequenos produtores, regiões menos exploradas e muita diversidade, fazem da experiência gastronómica uma viagem que vai para além das regiões nacionais.