Abril ainda não é junho. E o Banco Central Europeu (BCE) sabe que um passo em falso pode pôr em causa o esforço que tem estado a ser feito para trazer a inflação de volta aos 2%. Os mercados dão como quase certa a inação de Christine Lagarde na reunião desta quinta-feira, apontando para junho como o mês do corte. Resta saber se a líder francesa vai ou não avançar sem Jerome Powell, presidente da Reserva Federal dos EUA.
A maioria dos analistas diz que sim. Os dados macroeconómicos mais recentes podem dar mais confiança ao BCE para se chegar à frente. Contudo, Lagarde terá em mente um ponto que pode dificultar a sua luta contra a inflação: cortar as taxas de juro mais cedo do que a Fed pode enfraquecer o euro face ao dólar – o que faria com que os produtos importados fossem mais caros, gerando mais inflação.
“O BCE já não tem muitos motivos para não começar a normalizar a sua política monetária em breve. A queda da atividade na zona euro parece ter ficado para trás. Mas acima de tudo, o BCE está a ver se se confirma o seu cenário de que inflação se está a aproximar do seu objetivo”, escreve Franck Dixmier, diretor global de investimentos em obrigações da Allianz GI, numa nota a que a EXAME teve acesso.
A inflação de março na Zona Euro caiu para os 2,4%, face aos 2,6% de fevereiro. Já a inflação subjacente – que exclui energia e alimentação – caiu para os 2,9%. Em Portugal, a inflação que é usada para comparações europeias – que inclui aquilo que gastam os turistas – até subiu para os 2,6%. Sendo que a inflação “da casa” fixou-se nos 2,3%.
Nos EUA, este índice de preços subiu para os 3,5%, face aos 3,2% registados em fevereiro.
Para a Zona Euro, os mercados estão a apostar todas as fichas em quatro cortes de juros este ano, sendo que o primeiro irá acontecer em junho, com uma probabilidade de 98% de uma redução de 25 pontos base. Do lado de lá do Atlântico, os dados apontam para um corte também em junho, mas a incerteza tem aumentado. A probabilidade da Fed agir nesse mês é de 72%.
“Ainda que o consenso aponte para junho, o momento e a magnitude dos cortes futuros continuam em aberto. Esperamos um discurso cauteloso, que confirme a alta probabilidade de um primeiro corte em Junho e o apresente como um primeiro passo para a normalização da política. Mas o BCE deve insistir que os futuros cortes não estão garantidos e dependerão da trajetória previsível da inflação”, continua Franck Dixmier.
Mercado de trabalho preocupa
Para além da inflação, há uma outra dor de cabeça para Lagarde: o mercado de trabalho. Na última reunião de política monetária, a líder do BCE reforçou a ideia de que as subidas acentuadas dos salários na Zona Euro estava a dificultar o combate mais célebre contra a inflação. Por isso, os dados relativos ao primeiro trimestre deste ano podem ser decisivos.
No último trimestre do ano passado, os salários subiram 4,47% – um abrandamento face aos 4,69% registados no trimestre anterior. Ainda assim, há analistas que defendem o corte de junho, mesmo que a evolução dos salários não seja do agrado de Lagarde. “Acho que o primeiro corte vai acontecer em junho, mesmo que os salários mostrem apenas uma melhoria moderada”, escreve Reinhard Cluse, analista do UBS, numa nota.
Acresce a isto o facto de a taxa de desemprego continuar a nível resiliente. Em fevereiro, este indicador fixou-se nos 6,5%, deixando antever que esta resistência do mercado laboral possa acelerar o crescimento dos ordenados.
O que andam a fazer os outros bancos centrais?
De uma ponta à outra do globo, a inflação é o tema dominante em todas as reuniões de política monetária dos bancos centrais. Mesmo que os problemas sejam diversos. Em economias ocidentais, como nos EUA, Zona Euro ou Reino Unido debate-se como travar a inflação; na China o ponto está em aumentá-la (em fevereiro, pela primeira vez em seis meses, a inflação subiu – graças ao ano novo chinês).
Do outro lado do mundo, no Japão, março trouxe uma novidade histórica. Passados 17 anos – e os últimos oito com juros negativos – o banco central voltou a subir as taxas para os 0%. Até aqui, na prática, os bancos tinham de pagar para depositar dinheiro no banco central, em vez de receberam um juro. Ainda assim, os nipónicos são os que têm os juros mais baixos de todo o mundo.
“Não era uma situação minimamente justificável manter os juros negativos quando o resto do mundo desenvolvido tem juros em patamar restritivo, até porque a inflação no Japão está dentro dos parâmetros da inflação dos EUA e a economia japonesa já saiu de um longo período de estagnação. O facto do iene ter desvalorizado substancialmente nos últimos meses também influenciou”, explica Mário Martins, diretor de operações da ActivTrades no Brasil.
A seguir ao Japão, vem a Suíça (1,5%), onde o banco central surpreendeu os mercados com um corte de juros em março, tornando-se o primeiro grande banco central a fazê-lo desde que a luta contra a escalada de preços começou, entre o pós-pandemia e o início da guerra na Ucrânia. Em comunicado, justificou a decisão com “a luta efetiva dos últimos dois anos e meio contra a inflação”.
Noutras geografias, a Turquia voltou a subir os juros para os 50%, também em março, antes das eleições locais, e a Nigéria empurrou as taxas para os 24.75%. Na Argentina, os juros foram cortados para os 80%.