Entrevista publicada na edição de dezembro de 2018 da Exame
Aos 85 anos, o homem que revolucionou o turismo de qualidade em Portugal olha para trás mas também para a frente, num momento em que o seu grupo vai ter novos investidores.
Nasceu na Polónia, de onde a sua família fugiu para escapar aos nazis. Viveu o paraíso despreocupado no Brasil, andou pela Argentina, Porto Rico, Bahamas e Paris, mas foi no Algarve que se afirmou, com a criação da Quinta do Lago.
André Jordan conta à EXAME parte do seu extenso percurso, desde os dias de jornalista estagiário no Rio de Janeiro, onde conheceu e se casou com uma princesa do Liechtenstein, até à fuga no 25 de Abril, não se esquecendo do cão que teve então de deixar para trás, o Tostão.
Nesta entrevista de vida, o empresário cruza o seu percurso com a História do século XX. Hoje, com a gestão executiva entregue ao seu filho mais velho, Gilberto, continua a sonhar com o desenvolvi- mento futuro do Belas Clube de Campo, empreendimento que o apaixona e, diz, que vai ser “maior do que a Quinta do Lago, mesmo em termos de prestígio”.
O retrato de uma personagem maior do que a vida, que diz não ter medo de morrer “mas também nenhuma vontade”.
Fez 85 anos há uns meses. Com esta idade já sabe quem é?
Não gasto muito tempo a analisar-me, tenho medo de dececionar-me.
Mas durante a madrugada dedica-se a pensar.
Sim, dedico-me ao egocentrismo, mas a refletir em situações concretas da minha vida. A autoanálise é sempre muito parcial. Penso na vida, nas situações. Por vezes, venho a descobrir 20, 30, 40 ou 50 anos depois a razão do que aconteceu e da qual não percebi na altura. É muito interessante.
Esses insights são úteis?
Sim. Quando não entendemos uma coisa, fica sempre aquele bichinho in the back of your mind. Quando percebemos o porquê, é um alívio.
Mas como se apresentaria perante uma plateia?
No dia do meu 85º aniversário [a 10 de setembro], fiz uma festa bastante eclética, com cerca de 170 pessoas, na minha nova casa em Belas, para a qual me mudei há um mês. Havia gente de todo o tipo, de todas as idades. Houve um momento em que olhei para aquilo tudo e me perguntei: “Mas porque convidei esta gente?!” E percebi uma coisa muito simples. O meu critério é a qualidade das pessoas, não a sua importância. Os meus filhos [quatro filhos e oito netos] engendraram um vídeo, sob o pretexto de que havia um jornalista de televisão que estava a fazer uma série documental sobre pessoas conhecidas e do qual eu faria parte. Não sabia de nada, fui verdadeiramente enganado. Convidaram uma série de pessoas, a começar pelo Presidente da República, a gravar depoimentos sobre mim. Sentei-me numa cadeira e pensei que iria ver um daqueles vídeos chatos, como os que passam nos casamentos, mas não, foi feito profissionalmente e com pessoas de primeiro nível.
Gostou?
No primeiro momento, emocionei-me, mas depois comecei a ver aquilo como se fosse um filme, com curiosidade. Não gostei tanto de ver que, aos 85 anos, se é obrigado a reconhecer que se está muito velho. Isso é difícil, porque a pessoa não se sente fisicamente como é e também não se vê assim. A pessoa olha-se no espelho e vê outra. Gostei muito do vídeo, porque ouvi coisas lindas. Cada pessoa falou de um ângulo da minha personalidade.
Eu aprecio muito escrever, e o Pinto Balsemão disse que eu escrevia bem e que gostava de ler o que eu escrevia. Isso deixa-me muito feliz. Disseram coisas muito simpáticas. Também, só faltava irem lá e fazerem um depoimento negativo!
Nasceu na Polónia, em Lwów [significa “lobo”], que, atualmente, faz parte da Ucrânia. Conseguiu escapar com a sua família no exato dia da invasão alemã a 1 de setembro de 1939].
Exato. No entanto, fomos os únicos da nossa família a querer sair do país. O meu próprio pai não queria sair de lá, porque estava a ser muito bem-sucedido nos negócios. Encontrava-se no início de uma carreira no petróleo, que herdou do pai.
Foi a sua mãe que tomou a decisão.
Dias antes da invasão e do início da guerra, os aviões alemães sobrevoavam baixinho, um barulho enorme, as sirenes tocavam e nós íamos todos para as caves. No entanto, eu e o meu primo, cinco anos mais velho do que eu, ficávamos na rua a brincar. Não havia um sentimento de pavor, tanto que as pessoas não fugiram, mas um vizinho que acabava de chegar da fronteira com a Alemanha contou à minha mãe que tinha visto os tanques alemães posicionados. Nessa altura, a minha mãe disse ao meu pai que sairíamos no dia seguinte de manhã. Ela foi tão perentória que partimos.
A guerra acabou por não o marcar muito?
Fomos parar ao Rio de Janeiro. Havia muitos emigrantes a fugirem da guerra. O Brasil, durante aqueles anos, era um paraíso. A vida era barata. O meu pai foi um dos pioneiros do negócio imobiliário. Os refugiados tinham uma vida muito tranquila. Os meus pais entraram facilmente na sociedade do Rio de Janeiro. Era curioso como essa gente muitos tinham perdido a família, mas não o sabiam, e o património viveu como se a guerra não existisse. Havia muitas festas, todos iam reconstruindo as suas vidas e, em geral, deram-se bem. Quando a guerra acabou e foram descobrindo a realidade, não vi as pessoas a ficarem muito traumatizadas. Achei isso curioso. Acho que houve uma negação coletiva para não sofrer.
Passou por Portugal para chegar ao Brasil.
Sim, era a porta mais fácil. Salazar jogava sempre nos dois lados, mas não queria enfrentar o Hitler. Fiquei em Lisboa apenas por seis meses, mas podíamos ter ficado mais tempo. O meu pai, que morreu há 50 anos, tinha uma enorme capacidade para fazer amigos e era maçon à época, a maçonaria era muito importante em Portugal, agora não, mas esses mesmos amigos eram grandes entusiastas do Brasil. Disseram-lhe que valia a pena passar pelo Brasil e só depois, se não gostasse, deveria seguir para os EUA. E ele foi para Copacabana.
Do que gostou mais nesses anos no Brasil?
De tudo. Foi um período fabuloso. O Brasil era um país adormecido, não tinha indústria nem desenvolvimento económico.
Havia total segurança. Cheguei muito interessado em ter uma intervenção na vida pública, queria ser político. Tinha 17 anos e era fascinado quer pelas políticas que tiraram os EUA da recessão quer pela democracia plena. O Brasil tinha, na época, muitas restrições, e quem não era nativo não podia ser embaixador, deputado, etc. O meu pai já era naturalizado e eu tinha um passaporte de filho de brasileiro. Percebi que a carreira pública não seria fácil. Então, como gostava de escrever, fui para jornalista. Pedi ao meu pai, que era amigo de donos dos jornais, e fui trabalhar para o Diário Carioca, que era o jornal politicamente mais influente. Fui para “foca”, o estagiário. Cheguei lá, menino rico e americanizado. Os jornalistas eram todos supremamente tesos, não tinham um tostão e olharam para mim com o maior desprezo possível. Mandavam-me para a rua, depois eu entregava os textos ao chefe de redação e ele dizia-me: “Pode deixar aí.” Acordava de manhã cedinho para comprar o jornal, mas os meus textos nunca eram publicados. Assim foi por inúmeras vezes. Eu não dizia nada, mas um dia tomei coragem e, quando ele me mandou para a rua, perguntei-lhe porque nunca publicava nada do que eu escrevia. Ele respondeu-me: “É que nós aqui fazemos jornalismo; você está fazendo literatura. A notícia vem no primeiro parágrafo.” Valeu para o resto da vida. Agora, sempre que escrevo, sou sucinto e direto. Assim, fui ganhando o respeito e fazendo amizades. Fui jornalista ocasional durante vários anos.
Fui trabalhar para o Diário Carioca, que era o jornal politicamente mais influente. Fui para “foca”, o estagiário. Cheguei lá, menino rico e americanizado. Os jornalistas eram todos supremamente tesos, não tinham um tostão e olharam para mim com o maior desprezo possível
E quando começam os negócios?
Já tinha 21 ou 22 anos. Na altura, veio um grupo norte-americano para o Brasil para montar a revista Visão, e eles precisavam de alguém para assistente do diretor da revista que falasse bem inglês. Indicaram-me e fui contratado. O meu chefe era alcoólatra e não funcionava. Então eu montei a revista toda por ele. Aprendi com os norte-americanos que o planeamento é fundamental.
Nunca sucumbiu à vida boémia?
Andava sempre na fronteira, só por medo do meu pai. Ele não sabia das minhas aventuras e eu também não sabia das dele só muito mais tarde vim a descobrir. Eu corri riscos de meter-me com pessoas menos… com mulheres perigosas, enfim, toda a espécie de situações.
E depois do jornalismo?
O meu pai estava desesperado por eu continuar como jornalista. Ele tinha acabado de casar-se outra vez e queria ir para Paris, então tentou-me para eu ir com ele. Aí passei a trabalhar para ele na área do imobiliário. O meu pai foi, aliás, dos pioneiros nesse setor, no Brasil. Comecei nas vendas e, pouco tempo depois, fiquei como chefe, porque sou um bom vendedor.
O que é preciso para ser um bom vendedor? Aliás, diz que os portugueses não sabem vender
Um dia, eu e um amigo, muito boémio, acordámos os dois no chão, depois de uma festa, e eu disse-lhe: “Esta vida tem de acabar, você não tem um pai rico e tem de trabalhar.” Ele era o grande levantador das meninas, às vezes, na rua, os brasileiros são muito dados. E acrescentei: “Tens muita lábia, consegues convencer as mulheres, a mesma coisa se aplica a vender apartamentos.” Trata-se de convencer as pessoas. A primeira que o atendeu, que era uma mulher, ele conseguiu a venda. Ficou um grande vendedor. Um dia, perguntei–lhe o que faz um grande vendedor, e ele respondeu-me que é não ter autocrítica, não ter vergonha. O português toma logo como algo pessoal se alguém não comprar, fica ofendido e sente-se humilhado. Então não ataca para não ser rejeitado. Tem de se meter a mão no bolso do cliente, tem de se obrigá-lo a escrever o cheque, e o português não gosta dessa confrontação.
Era isso que fazia de si um bom vendedor?
Acho que era mais a qualidade de conseguir penetrar na personalidade do outro. No filme do meu aniversário, alguém disse isso. E, depois, desenvolvi um hábito muito feio: aprendi a interpretar na body language quanto dinheiro as pessoas tinham. Tive de lutar muito para perder esse hábito, porque qualquer pessoa que encontrava eu avaliava-a logo.
Casa-se, pela primeira vez, ainda no Brasil com uma princesa.
Sim, com uma princesa do Liechtenstein. Casámo-nos por razões de família. Encantei-me com ela. Ela tinha 18 anos, eu 27. Era uma pessoa determinada, queria sair de casa, e eu estava ali disponível e muito cansado da farra e da boémia. Tivemos dois filhos, o mais velho, o Gilberto [CEO do Grupo Jordan] tem 57 anos. Quando penso que hoje já tenho filhos em idade da reforma… Estivemos casados durante pouco tempo, havia um grande gap cultural. Eu era um menino carioca, estava mal acostumado; ela era europeia.
Ainda estava longe de pensar em vir para Portugal.
Muito longe. Antes, ainda vivi na Argentina, para onde fui em 1961. O meu pai fez um grande contrato com o Estado argentino para construir uma habitação. Estive na Argentina por quase sete anos. Aliás, ainda vivia em Buenos Aires quando fomos convidados para a famosa festa Patiño [em Portugal] e eu acabei por não vir. Depois, arrependi-me, porque teria conhecido muita gente. Os negócios correram pessimamente, os governos mudavam, não cumpriam com os compromissos. Quando estou a sair de Buenos Aires, o meu pai morre aos 61 anos. Ele já tinha negócios em Portugal e morava parcialmente no Estoril.
Ainda vivia em Buenos Aires quando fomos convidados para a famosa festa Patiño [em Portugal] e eu acabei por não vir. Depois, arrependi-me, porque teria conhecido muita gente
Mas ainda conhecia muito mal Portugal. Já o seu pai se tinha tornado amigo de Salazar.
Sim, só vinha cá para ter conversas quando o meu pai me pedia para fazer algumas negociações. Venho para a Europa, pela primeira vez, para montar um esquema de vendas de uma multinacional norte-americana. Primeiro, ainda vivi nas Bahamas e em Porto Rico, onde trabalhei com muita bandidagem. E um dia, numa festa das Bahamas, um vendedor sueco diz-me que o futuro estava no Algarve.
Quando ele falou nisso, eu fiquei com aquilo na cabeça. Nessa mesma noite, percebi que tinha de mudar de vida e decidi, do nada, que viria para Portugal, para o Algarve. Estávamos em 1970. Primeiro, vou para Paris, sem dinheiro e com o American Express cancelado. Como vou sair dessa?! Abro Le Figaro e há um anúncio para um concurso internacional para o Casino do Algarve.
Um dia, numa festa das Bahamas, um vendedor sueco diz-me que o futuro estava no Algarve. Quando ele falou nisso, eu fiquei com aquilo na cabeça. Nessa mesma noite, percebi que tinha de mudar de vida e decidi, do nada, que viria para Portugal, para o Algarve. Estávamos em 1970
Em Vilamoura?
Sim. Pensei: “É agora.” Liguei para o João Caetano [filho de Marcelo Caetano], que tinha sido arquiteto do meu pai. E ele incentivou-me, dizendo que era de mim que o País precisava. Nessa altura, vim a Lisboa, em abril de 1970. Não se aguentava o calor. Percebi que o concurso estava todo armadilhado para ser entregue à Lusotur, empresa da qual vim a ser dono, mais tarde.
No entanto, o meu pai tinha tido alguns negócios com o Pinto Magalhães, o banqueiro do Porto, que era proprietário de algumas propriedades no Algarve. Ele gostou de mim e eu acabei por comprar-lhe a Quinta dos Descabeçados. Interessei-me muito, mas não tinha dinheiro. Pinto Magalhães acabou por dar-me condições muito favoráveis.
E foi assim que nasceu a Quinta do Lago?
Nasce o projeto residencial turístico. O negócio corre bem, só que aconteceu um acidente – a Revolução. O Governo nacionalizou muita coisa, mas aos estrangeiros não podia fazer nada. Então, negociei, em conjunto com o administrador-delegado da Lusotur, um plano de hibernação até as coisas mudarem. Foi assim que se pegou no projeto e se criou a ideia de intervenção. Saímos da gestão, mas eu mantive-me como proprietário. Só em 1981 recuperei as empresas.
Saiu de Portugal no 25 de Abril?
Ganhei um grande trauma. Sou um democrata, e a ideia que eu tinha é que perdera o meu património para sempre. Recebi ameaças anónimas e até passei a dormir em hotéis diferentes, de cada vez que vinha a Portugal. Um dia, estava no Sheraton e encontro um amigo que me diz que eu constava de uma lista para ser preso. Em poucos dias, estávamos a viajar a partir do Aeroporto Internacional de Faro. Saímos com algum receio e com 28 malas. Deixei o meu cão, o Tostão, e isso foi o que mais me custou. Mas, como eu conhecia a rapaziada toda no aeroporto, tudo correu bem.
Ganhei um grande trauma [com o 25 de abril]. Recebi ameaças anónimas e até passei a dormir em hotéis diferentes, de cada vez que vinha a Portugal. Um dia, estava no Sheraton e encontro um amigo que me diz que eu constava de uma lista para ser preso. Em poucos dias, estávamos a viajar a partir do Aeroporto Internacional de Faro. Deixei o meu cão, o Tostão, e isso foi o que mais me custou

Diz que Portugal é o único país onde a amizade pesa nos negócios. Já foi beneficiado pelos amigos?
Já. Em 1981, quando tentei recuperar a Quinta do Lago que estava na mão dos meus sócios, que se tinham apoderado do empreendimento, as pessoas ajudaram-me porque achavam que eu tinha razão. Muita gente apoiou-me e, materialmente, o engenheiro Jardim Gonçalves foi quem tornou possível a recuperação. Comprei a parte deles e tornei-me o único dono da Quinta do Lago.
Acaba por vender a Quinta do Lago em 1987, mas muita gente continua a associá-lo à propriedade.
Não consigo livrar-me dela [risos]. Quando vou ao Gigi [restaurante na Quinta do Lago] e atravesso a ponte, praticamente todas as pessoas param para falar comigo, portugueses e estrangeiros. Acho que os meus projetos são dotados de uma escala humana, refletem valores perenes, de convívio e de civilidade, e são socialmente equilibrados. Têm alma, além de qualidade. Recebi, a propósito do meu aniversário, uma carta do atual dono da Quinta do Lago, Dennis O’Brien, o homem mais rico da Irlanda, cheia de elogios sobre o que eu fiz na Quinta do Lago e já lá vão 50 anos, que continua a ser um empreendimento turístico de referência no mundo.
Porque decidiu vender?
Em 1987, os bancos ainda eram estatais, a dívida era considerável e eu estava a ser muito pressionado pelos bancos. O grupo que assumiu o BPA, após a saída do Jardim Gonçalves, liderado pelo João Oliveira, caiu em cima de mim. Tinha trabalhado para levantar a Quinta do Lago, estava exaurido e, quando tive oportunidade, vendi-a.
Teve pena de vendê-la?
Não, não sou apegado aos objetos, grandes ou pequenos. Tenho amor pela Quinta do Lago, como também tenho por todos os meus outros projetos.
Mais tarde transforma Vilamoura.
Antes de comprar a Quinta do Lago, já havia falado com o banqueiro Cupertino de Miranda, que tinha sido muito amigo do meu pai. Tinha-lhe proposto que ele me cedesse um terreno para construir um campo de golfe e um clube residencial.
O então administrador da Lusotur mandou-me passear, dizendo que não fazia falta mais campos de golfe. Hoje, o Algarve tem 50. Ironias da vida. Quando me volto a interessar, a Lusotur estava numa situação muito má, e o Jardim Gonçalves desafiou-me a assumir Vilamoura. Entrei em Vilamoura no dia 1 de janeiro de 1996. A parte existente estava muito degradada, as ruas não tinham árvores nem calçada. Era um desafio muito superior ao da Quinta da Lago.
O seu novo projeto, o Vilamoura XXI?
Primeiro, recuperámos o que existia e induzimos os proprietários a recuperarem as suas casas. Foi tudo restaurado. Depois aprovámos o projeto da nova Vilamoura, o Vilamoura XXI. Foi um grande investimento.
Eram mais três campos de golfe e trouxemos hotéis de primeira linha. Mas, no início de 2000, começou a abundância de crédito e eu percebi que o mercado ia degradar-se. As pessoas não tinham experiência, os projetos PIN, toda uma loucura…
Achei que era hora de desfazer-me daquilo.
Ganhou dinheiro com a venda da Quinta do Lago e do Vilamoura XXI?
Ganhei algum dinheiro na venda da Quinta do Lago, nada de muito dramático, mas passei a ser um homem com meios para viver bem. Na venda do Vilamoura, em 2008, no princípio da crise, ganhei muito dinheiro e paguei todas as dívidas.
Agora está casado com Belas, que nasceu ainda nos tempos do projeto de Vilamoura?
Exato. Belas nasceu há cerca de 20 anos. Vai ser maior do que a Quinta do Lago, mesmo em termos de prestígio.
Porque só foi viver para Belas há um mês e meio?
Estou a divorciar-me do meu quarto casamento e tenho dois filhos a viver em Belas, e lá também estão os meus netos. Além disso, quero fazer uma vida mais saudável. Vivia na Rua das Janelas Verdes, em frente ao Museu Nacional de Arte Antiga.
Ao pé da Madonna?
Muito perto, mas nunca nos cruzámos.
Com Belas vai superar a Quinta do Lago?
Não é em tamanho. Quando tiver tudo pronto, Belas vai ter 2 500 residências, um hotel de cinco estrelas, uma escola, um hospital, uma unidade médica, golfe… E é um empreendimento de campo dentro da cidade, dentro de Lisboa. Não há muitos empreendimentos assim no mundo, com as características de um resort e, ao mesmo tempo, urbano. O projeto de urbanismo está muito bem desenvolvido, ninguém olha para ninguém, o que garante a privacidade.
Daqui a quanto tempo Belas será aquilo que idealizou?
Já o é, mas, com tudo o que referi, será seguramente depois de eu ter partido. Já acho um milagre ter conseguido lançar Belas e ainda assim assistir à nova vida de Belas.
Mas está tudo na sua cabeça?
Está tudo planeado.
A gestão está bem entregue ao seu filho mais velho, Gilberto?
Claro que sim. Agora, cada um tem as suas características. Continuo a trabalhar todos os dias, mas na estratégia e no planeamento, e bastante na imagem e nas ideias.
Que garantia tem que o que idealizou irá ser feito?
Basta olhar para a Quinta do Lago e para Vilamoura para perceber que isso acontece. Quando o plano está bem feito é muito difícil mexer nele. E o mais difícil que há em Portugal é alterar um projeto. Pode ser mudado o carácter, como na Quinta do Lago, que era mais igualitário de alto nível e que agora é mais mine is bigger than yours, mas a estrutura é difícil mudar.
Os seus investimentos vão confinar-se a Belas ou admite explorar outros projetos?
Tenho de ter o bom senso dos meus 85 anos, um projeto demora muito. Começámos Belas há cerca de 20 anos.
Como mentor da estratégia, faz sentido que pense o grupo além da sua existência.
Agora vão entrar novos investidores, pelo que a estratégia também terá de ser definida com eles.
Com que percentagem do capital ficarão esses novos investidores e quem são eles?
Temos um contrato de confidencialidade e não posso falar do assunto.
Vai manter a maioria?
Como disse não posso falar nada. Não devia sequer ter mencionado isso.
Portugal está na moda como destino turístico. Concorda com a estratégia dos governos?
Não há estratégia, é tudo espontâneo, e os empresários é que têm dado o impulso. E estes também não têm estratégia, têm objetivos. Ninguém se junta para definir uma estratégia. O Governo também não gosta muito de discutir com os empresários, com o setor privado, porque não quer compartilhar o poder de decisão. Isto é uma grande preocupação.
Não teve conversas com o atual Governo sobre turismo?
Não, o Governo não conversa, faz congressos, coisas genéricas que dão a impressão de que há uma grande ligação, mas…
O Governo não é contra o setor privado, mas a preocupação dele é reter o poder.
O que o Governo deveria fazer?
Deveria fazer melhor a ligação entre o imobiliário e o turismo. Tem de desenvolver novas zonas de habitação e de turismo, porque quando nos fala da bolha, não há bolha alguma. Há uma borbulha. As pessoas que pagaram uma fortuna por metro quadrado são 20 ou 30, não se pode considerar uma bolha: é uma coisa muito específica.
Os preços não estão elevados?
Estão, mas de uma forma natural, porque não há oferta. Quando não há oferta, o preço sobe. Isto não é uma bolha.
E as novas zonas de habitação deveriam ser onde?
Não pode haver zonas em locais onde as pessoas não querem ir. As empresas estão a vir para Lisboa e para o Porto, e essas empresas também precisam de ver as suas necessidades atendidas. Há que fazer uma estratégia de longo prazo, que envolva os empresários, os meios financeiros, as autoridades europeias, que não entendem que o imobiliário e o turismo são fundamentais para Portugal. Os promotores precisam de ajuda para desenvolverem novos bairros.
ANDRÉ JORDAN
> NOME
André Francisco Spitzman Jordan
> VIDA
Tem hoje 85 anos, é judeu nascido na Polónia, país de que fugiu com seis anos, durante a Segunda Guerra Mundial. Foi parar ao Rio de Janeiro, de onde só saiu em 1970, para começar a desenvolver os seus negócios em Portugal. Fundou a Quinta do Lago ainda hoje há quem pense ser ele o dono deste empreendimento turístico do Algarve, apesar de já o ter vendido há décadas. Foi considerado um dos empresários mais influentes do mundo no setor do turismo. Depois da Quinta do Lago, transformou Vilamoura e, atualmente, dedica–se a Belas, que diz será, no futuro, o seu maior feito. Tem quatro filhos e oito netos, acaba de divorciar-se do seu quarto casamento e já tem lugar garantido no cemitério de São Lourenço, em Almancil. “Não tenho qualquer medo de morrer, mas também nenhuma vontade”, diz.