Cerca de 14 anos depois, Portugal voltou a ter um rácio de dívida pública inferior a 100%. Esse marco foi atingido um ano antes do previsto pelo Governo, que tinha apontado uma meta de 103% para 2023. No entanto, o crescimento mais alto que o esperado, as receitas fiscais acima do previsto e algumas operações de gestão de dívida pública contribuíram para que esse objetivo tivesse sido atingido já no ano passado. O País fechou 2023 com esse indicador em 98,7%, segundo os dados divulgados esta quinta-feira pelo Banco de Portugal.
Desde 2009 que o Estado não fechava o ano com esse rácio abaixo de 100%. A descida do endividamento acentuou-se a partir de final de 2020, ano em que esse indicador disparou para 134,5%. Após este pico, a descida do rácio foi rápida. A Moody’s, por exemplo, referia recentemente que “o fardo da dívida continuará a cair a um dos ritmos mais rápidos entre as economias avançadas, se bem que partindo de valores ainda elevados”.
A queda acentuada do endividamento deveu-se, em grande parte, ao forte crescimento da economia portuguesa. Em 2022, o PIB tinha crescido 6,8% e este ano aumentou 2,3%, um valor que ficou acima de praticamente todas as previsões. Esta evolução deu um contributo importante para a tarefa de Fernando Medina em executar a política das “contas certas”.
O acréscimo do PIB acima do previsto e também o efeito da inflação permitiram que o Governo chegasse ao final do ano passado com um excedente, alicerçado em maiores receitas fiscais. Segundo os dados da execução orçamental divulgados esta semana, o Estado fechou 2023 com um excedente de €4.330 milhões, em contabilidade pública, impulsionado por um encaixe com impostos mais de €5.200 milhões acima do previsto.
A juntar a isto, no final de 2023, a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) concretizou operações em que recomprou Obrigações do Tesouro detida por investidores que permitiram eliminar quase €700 milhões de dívida. Como consequência, a almofada financeira detida pelo Estado para se precaver face a eventuais momentos menos favoráveis para se financiar nos mercados financeiros teve um ligeiro decréscimo de €300 milhões no ano passado para cerca de €6.000 milhões.
No total do ano, o Banco de Portugal indicou que, na ótica de Maastricht, “a dívida pública diminuiu €9.400 milhões de euros em comparação com 2022”, caindo para €263.000 milhões. A instituição detalha que aquela “variação resultou, em grande medida, da redução de títulos de dívida de curto e de longo prazo (-€4.200 milhões de euros e -€11.000milhões de euros, respetivamente), de certificados do Tesouro (-€4.200 milhões de euros) e de empréstimos (-€3.100 milhões de euros). Em sentido contrário, destacaram-se as emissões líquidas positivas de certificados de aforro (€14.400 milhões de euros)”.
Queda da dívida tranquiliza agências de rating
Incerteza política e agências de rating são dois termos que geralmente não se dão muito bem. Ao analisar a qualidade de crédito de um País, os analistas das instituições de notação financeira e também os investidores tendem a ser céticos durante fases em que não existe clareza sobre que tipo de governação determinada economia tem.
Apesar da queda do Governo de António Costa no início de novembro, da imprevisibilidade sobre o resultado das próximas eleições e dos cenários incertos sobre as condições de governabilidade do próximo Executivo, as agências de rating não têm mostrado grandes preocupações com Portugal.
Aliás, o cenário político no País não impediu a Moody’s de melhorar o rating de Portugal em dois níveis poucos dias após a demissão de Costa, promovendo Portugal ao clube das notas A, ou seja, de dívida de qualidade acima da média e de baixo risco, um selo de credibilidade que permite custos de financiamento mais baixos. Um dos fatores que levaram a agência a tomar essa decisão estiveram relacionados com a descida rápida do rácio de dívida e também com o forte crescimento da economia.
Também a DBRS referiu no início deste ano, que as “dinâmicas favoráveis da dívida” permitiam mitigar alguns riscos que a economia portuguesa atravessa, como o efeito das taxas de juro mais altas e o do abrandamento económico.