Na forma, o Banco Central Europeu (BCE) deixou tudo na mesma na reunião desta quinta-feira. Mas há fortes evidências de que o conteúdo da política monetária possa ter mudado. Após ter garantido por várias vezes nos meses mais recentes que era muito improvável que o BCE começasse a aumentar as taxas de juro em 2022, desta vez Christine Lagarde não foi tão taxativa. Bem pelo contrário. Na conferência de imprensa que se seguiu à reunião de política monetária, a presidente do BCE foi questionada várias vezes se mantinha essa garantia. E, desta vez, respondeu que a “a situação mudou”.
Depois de durante meses o BCE ter considerado o aumento da inflação como um fenómeno transitório, os membros do conselho de governadores do banco central aparentam estar agora bastante preocupados com a subida dos preços na Zona Euro. Essa apreensão foi unânime entre os participantes na reunião desta semana, revelou Christine Lagarde. Os responsáveis da autoridade monetária tinham a convicção de que a subida da inflação iria ser mais contida no arranque de 2022 devido ao fim de alguns efeitos base que pressionaram os números no ano passado, como a reposição da taxa normal de IVA na Alemanha em 2021. No entanto, os dados da inflação em janeiro surpreenderam bastante, com os preços a aumentarem 5,1% face ao mesmo período do ano passado, o valor mais alto desde a criação do euro.
A escalada dos preços coloca pressão ao banco central para terminar mais rápido o programa de compra de ativos. Os prazos indicados atualmente pelo BCE mostram que as aquisições de emergência pandémica deverão terminar já em março e serão compensadas pelo programa de compras que já existia antes da crise de saúde pública. No entanto, o ritmo das aquisições irá descer gradualmente a cada trimestre. O cenário atual do banco central – que poderá ser alterado em março – passa por compras de 40 mil milhões no segundo trimestre, de 30 mil milhões no terceiro trimestre e de 20 mil milhões depois disso, sem uma data para terminar o programa.
Os valores altos da inflação poderão fazer com que o BCE encurte esse calendário. E pressionam também o banco central a começar a subida de juros mais cedo depois de anos de uma taxa negativa de -0,50% aplicada aos depósitos que recebe de instituições financeiras e de 0% cobrado aos bancos nas principais operações de refinanciamento. Lagarde tem sinalizado que há uma sequência para se começar a pensar em aumentar essas taxas. “O Conselho do BCE espera que as aquisições líquidas cessem pouco antes de começar a aumentar as taxas de juro diretoras do BCE”, reitera o comunicado desta quinta-feira.
Preparar o terreno para março?
Apesar da mudança de tom, as eventuais alterações das políticas só deverão acontecer na reunião de 10 de março, quando o BCE terá à sua disposição as projeções mais atualizadas dos seus técnicos sobre a evolução da inflação no médio prazo. Mas Christine Lagarde deixou já pistas importantes.
A orientação dada pelo BCE é de que os juros só começarão a subir quando a instituição “observar que a inflação atinge 2%, muito antes do final do horizonte de projeção e de forma durável durante o resto do horizonte de projeção, e considerar que os progressos realizados em termos de inflação subjacente estão suficientemente avançados para serem consentâneos com uma estabilização da inflação em 2% no médio prazo”. Na conferência de imprensa desta semana, Lagarde reconheceu que se está “mais perto” de atingir essa meta que servirá de gatilho ao fim gradual das compras, seguido da subida de juros.
As projeções para a inflação por parte dos técnicos do BCE têm sido revistas em alta nos últimos meses. E é bastante provável que isso venha a acontecer novamente nas previsões de março, já que a evolução dos preços continua a surpreender a maioria dos economistas. Em dezembro, data das últimas estimativas, as projeções eram de que a inflação se situasse em 3,2% em 2022 e caísse para 1,8% em 2023 e 2024. Caso sejam revistas em alta – o que tendo em conta os dados de janeiro é bastante provável – ficarão em linha com a meta de 2% a partir da qual o BCE pondera começar a subir juros.
“O BCE adiou tomar qualquer decisão até à reunião de março quando ficarão disponíveis uma nova ronda de dados macro, particularmente as estimativas para a inflação”, explica Carsten Brzeski. O economista do ING realça, num relatório a investidores, que “Lagarde abriu a porta a uma redução mais rápida das compras de ativo e a uma subida de juros este ano”.
Juros da dívida e euro sobem, bolsas descem
Os investidores também interpretaram as palavras de Lagarde desta quinta-feira como um sinal de que o BCE poderá tomar medidas restritivas mais cedo que o esperado. A possibilidade de menores compras de ativos e de juros mais altos levaram os juros das dívidas dos países europeus a aumentarem esta quinta-feira. No caso de Portugal, no mercado secundário, os investidores passaram a exigir um juro de 0,854% para deter dívida nacional a dez anos, o valor mais alto desde 2020. Na sessão anterior essa taxa era de 0,70%.
O salto nas taxas das obrigações foi generalizado. E Christine Lagarde não se mostrou preocupada com a evolução dos juros da dívida soberana na Zona Euro. Apesar de se estar a observar um aumento das taxas, essa tendência tem sido generalizada e não tem levado a um grande diferencial entre as dívidas tidas como mais seguras – como a alemã – e as dos países do sul da Europa. A expectativa de uma política mais restritiva também deu força ao euro, que valorizava mais de 1% face à moeda dos EUA, negociando acima de 1,14 dólares. Já o índice que reúne as 600 maiores empresas europeias cotadas em bolsa acumulava uma queda acima de 1,5% esta quinta-feira.
A expectativa de que o BCE possa subir juros ainda este ano ocorre num contexto em que outros grandes bancos centrais – como o Banco de Inglaterra ou a Reserva Federal dos EUA – já iniciaram ou estão prestes a iniciar a retirada das taxas de níveis mínimos.