A Administração da empresa familiar Dielmar, liderada por Ana Paula Rafael, pediu insolvência depois de 16 meses a lutar contra os efeitos da Covid-19 na atividade da organização. A Dielmar viu “encerrar por decreto, e em todo o mundo, desde 19 de março de 2020, e durante mais de um ano, todas as lojas dos seus clientes, e as suas próprias lojas e, consequentemente, o seu negócio”, lê-se num comunicado enviado esta madrugada às redações.
A informação já tinha sido avançada este final de semana pela imprensa regional, e pelo presidente da Câmara de Castelo Branco. No entanto, a CEO da empresa só esta manhã decidiu confirmar a notícia. À EXAME, Ana Paula Rafael diz ainda que todos na administração estão “muito tristes e desiludidos. Depois de tantas crises, morrer às mãos da Covid foi desesperante”.
A empresa criada em 1965 era, até agora, o maior empregador da região, garantindo a subsistência de 400 pessoas e muitas mais famílias nas suas instalações, em Alcains. Numa freguesia com cerca de 5 mil habitantes, o impacto será significativo.
Ao longo dos meses, a gestora tinha vindo a lançar alertas às autoridades sobre as dificuldades que a indústria nacional estava a atravessar, e aumentava o volume dos pedidos de ajuda. No final do ano passado, em entrevista à EXAME na rubrica Girl Talk, Rafael mostrava-se otimista, apesar da situação e numa conversa animada que teve desde a fábrica criada pelo seu pai, falava de como a moda era um setor inovador, e com capacidade de resiliência. “Na verdade, é um setor altamente inovador, até. Neste tempo de pandemia, em que todos somos treinadores de bancada, eu tenho dito isto: o setor da moda é o mais inovador que eu conheço, desde que estou cá. Eu sou advogada e trabalhei em muitas empresas, como sabem. E quando cheguei aqui é que validei isso: o que este setor tem é tradição.”
Por isso, referia na altura, o seu desafio era “continuar a acordar as pessoas que tenho à minha volta para continuarem a observar o mundo, para continuarem a observar o estilo de vida das pessoas, que vai mudando – olhemos para a pandemia! – e despertá-las para serem mais observadoras do que antes. No passado, tínhamos de inovar todas as estações e fazer coleções-cápsula na própria estação. Hoje, temos de redescobrir o estilo de vida do novo normal, e das pessoas que estão a fazer vários estilos de vida ao mesmo tempo”, lembrava.
Num painel em que participou na Portugal em EXAME, algumas semanas depois, já denotava alguma preocupação com a evolução da pandemia – e a retração da economia – e pedia estratégia aos governantes. “ Não estou a ver como se podem reciclar milhares de atividades, todas estas pequenas empresas que dão emprego a milhares de pessoas. Se não for planeado, os setores de atividade deixariam de estar confinados para desaparecerem. E teria de haver outra ‘bazuca’ a seguir aquela que vamos colocar na economia”.
A Dielmar garante que até à tomada desta decisão garantiu que todas as suas obrigações junto dos trabalhadores, realçanado que durante mais de 5 décadas manteve “a prosperidade e a tranquilidade de muitas famílias em Alcains e nas terras em redor”. Durante muitos anos, realça ainda a advogada feita empresária “percorremos os caminhos do mundo, levando um produto e uma marca portuguesa de alta qualidade, aos vários continentes, criando parcerias com clientes de todo o globo”.
As palavras de agradecimento de um comunicado onde a CEO revela que já perdeu a esperança de qualquer solução são para os “fornecedores, pelo esforço que também eles estão a fazer nesta pandemia e pelo apoio que nos deram, muitos numa parceria de mais de 30 anos”
“Lamentamos imenso ter que tomar esta decisão, pelos nossos colaboradores, pelos nossos fornecedores, pelos nossos parceiros e clientes de décadas, por esta grande marca de referência nacional e mesmo internacional, por nós e pela nossa paixão por este trabalho e por desaparecer o know-how de fazer o Melhor Fato do Mundo, na Beira Interior. E também pela confiança que Todos depositaram na DIELMAR”, continua.
A gestora aproveitou ainda para deixar pedido, em jeito de alerta, às autoridades nacionais:
“Talvez a insolvência da DIELMAR seja o alerta e o farol para que possam repensar com caracter de urgência o interior e apoiar as indústrias que ainda aqui existem e que suportam, há décadas, a fixação das pessoas e a economia e equilíbrio social da região. E que proporcionam, sobretudo, oportunidades de trabalho para as mulheres. Urge que sejam tomadas verdadeiras medidas e iniciativas a favor do interior, para que todos estes trabalhadores voltem a poder ter o seu emprego aqui e não tenham que sair da sua terra para trabalhar”.
Rafael diz-se esperançosa numa segunda oportunidade para as famílias de Alcains, às quais espera que possa chegar alguma da verba do Plano de Recuperação e Resiliência e atirando agora para a autarquia e para o Estado a resolução de uma crise que não parece ter fim à vista. Mas o tom da empresária é, claramente, de despedida.
“Ficam a marca e o know-how da DIELMAR, as instalações e os equipamentos fabris e a vontade de trabalhar destas gentes que – porventura com a “bazuca” que um dia certamente chegará à economia do interior para promover a retoma – possam ainda ter uma segunda oportunidade e dar mais 50 anos a este projeto empresarial, garantindo o bem estar e o futuro destas populações, aqui nas suas terras, uma vez que a insolvência abrirá novas oportunidades que, terão certamente a mobilização e apoio do próprio estado e da autarquia e, poderão proporcionar o ressurgimento da empresa e a manutenção dos seus atuais postos de trabalho.”
O pedido de insolvência da Dielmar marca o início de um verão que se adivinha demasiado quente numa economia que tarda em encontrar o caminho da recuperação, depois de mais de um ano em que o paradigma se alterou profundamente, deixando o País e o mundo sem saber quais as regras do jogo que se seguem.