O valor sob gestão de produtos financeiros com uma definição menos estrita de ESG atingiu 45 biliões de dólares no ano passado. A pandemia pode ter acelerado a preocupação dos investidores com o tema da sustentabilidade?
A pandemia e o crescimento galopante do mercado financeiro ESG são dois fenómenos concomitantes mas não correlacionados. Tem-se escrito muito que a erupção da Covid-19 tem despertado o mercado financeiro para a ideia de que ativos financeiros são também vulneráveis a riscos não financeiros, como riscos sociais ou ambientais. Se a Covid-19 impacta o mercado financeiro, então as alterações climáticas podem impactar também. Mas não é isso que sinto no mercado financeiro. Desde o início da pandemia, devo ter falado com 300 ou 400 investidores. Nenhum aludiu a essa correlação. O crescimento do mercado de capitais ESG tem meia dúzia de anos, tem sido gradual e consistente. Eventualmente, em 5-10 anos, todas as transações financeiras integrarão uma análise de riscos e oportunidades socioambientais. Mas a pandemia é um fator neutro a essa tendência. Por coincidência, a Covid-19 eclodiu no momento em que ESG começou um salto mortal à frente encarpado. Mas não foi a pandemia que serviu de trampolim
O aumento do valor sob gestão em produtos deste tipo pode também ser explicado por um crescente greenwashing na indústria de gestão de ativos e no mercado de capitais?
Há cerca de 5 anos eu começava as reuniões com operadores financeiros a explicar o que significa o acrónimo ESG. Mesmo em capitais financeiras não era claro o real alcance das finanças sustentáveis. As pessoas assumiam que era uma versão moderna da filantropia ou que eram investimentos em que se sacrificava o lucro para resolver problemas sociais e ambientais. Presentemente, é muito difícil encontrar um presidente de um banco que não tenha uma certa familiaridade com esses temas. As estatísticas dizem que cerca de metade de todos ativos sob administração no mercado, ou seja 45 biliões de dólares, são investidos com algum tipo de filtro ESG ou com algum tipo de objetivo de geração de impacto positivo. Eu prefiro olhar para essa estatística com alguma reserva. Existem muitas formas de se fazer esse casamento entre transações financeiras e sustentabilidade — das mais sofisticadas às mais superficiais. E existe ainda alguma confusão sobre o que é, de facto, um ativo ou um fundo ESG. O greenwashing é mais recorrente e involuntário do que se possa imaginar.
É comum vermos produtos que usam o selo ESG mas que investem em empresas de combustíveis fósseis ou em outras que têm práticas menos recomendáveis em termos de sustentabilidade. Como poderemos acabar com esse aproveitamento das preocupações ESG meramente para efeitos de marketing?
As finanças sustentáveis têm uma grande plasticidade. Há muitas formas de aplicar dados ESG em estratégias de risco e de identificação de oportunidades. Eu aprendi a não fazer juízos de valor. Há quem defenda que investidores ESG só podem comprar empresas com ótimas credenciais em sustentabilidade corporativa e só podem investir em setores que geram impactos positivos imediatos, como educação, energias renováveis ou saúde. Eu não vejo dessa forma. Dou um exemplo concreto. O que é preferível, uma gestora de buyout e distressed assets que compra ativos com graves problemas ESG (empresas poluidoras, com problemas de corrupção) com o objetivo de fazer um turnaround ESG para conseguir extrair valor financeiro ou um fundo ESG que decide não investir em empresas de mineração, vendendo esses seus ativos para outros fundos que não têm preocupações ambientais?
Para um investidor de retalho que pretenda ter uma carteira de investimento ESG, como pode aferir se os produtos/empresas em que pretende investir cumprem com esses critérios?
Esta é uma questão importante. Geralmente as instituições financeiras que disponibilizam fundos ESG em plataformas de retalho fazem a sua própria avaliação. Mas a avaliação não segue standards internacionais porque não há standards internacionais. Existe uma constelação de boas práticas, regras, labels, ratings etc mas nenhum global, consensual e estandardizado. Por isso os clientes de retalho são sempre expostos a um certo grau de ambiguidade e subjetividade.
Foi escolhido em janeiro pelo governo do Reino Unido, a City de Londres e a British Standards Institution para liderar o processo de criação de um sistema global de classificação de fundos ESG. Como surgiu o convite? Quais os objetivos que necessita de atingir para poder dar esse desafio como cumprido?
O Reino Unido é geralmente considerado como o principal hub das finanças sustentáveis. Parece um facilitismo de oratória, mas, de facto, estão alguns anos à frente do resto dos países europeus. O governo britânico lançou um programa global de 5 anos para tentar organizar o complexo mercado ESG — definindo princípios, práticas e produtos ESG. O braço direito do governo são a British Standards Institution e a International Organization for Standardization (ISO), as únicas instituições com legitimidade para criar uma norma técnica global. O programa é muito sistemático, rigoroso, formalista e inclusivo. Centenas de organizações envolvem-se nas consultas públicas. O último pilar deste processo é criar um sistema de classificação de fundos ESG. Os detentores de ativos, gestores de ativos e clientes de retalho precisam de saber o que é e o que não é um produto financeiro ESG. É um processo enroupado de complexidade, mas é fundamental para que o mercado ESG possa continuar a crescer. O governo britânico pediu à City de Londres para identificar potenciais candidatos que pudessem desenhar este sistema de classificação. Eu fui entrevistado algumas vezes e, com muita surpresa minha, fui selecionado. Não esperava que eles convidassem um estrangeiro. E há certamente pessoas no mercado com muito mais anos de experiência em finanças sustentáveis do que eu. No fundo, liderar o processo será um esforço coletivo, não individual.
Como poderemos criar uma metodologia que não permita abusos nas denominações de ESG por parte de fundos de investimento, ETF e criadoras de índices?
É o Santo Graal das finanças sustentáveis. É isso que teremos que desenvolver no contexto deste projeto. Ainda não tenho uma resposta clara. O meu escritório está cheio de anotações, fórmulas, estudos. Estamos a ouvir muita gente. Mas acho que a solução não será tanto um momento eureka de Arquimedes, algo que nunca ninguém tinha pensado e que será rapidamente aceite, mas a apresentação de uma proposta que possa reunir consensos mínimos, trabalhando-se, posteriormente, em direção à unanimidade. É uma questão mais gregária do que científica.
Nos últimos meses temos visto as agências de notação financeira a darem um peso maior a fatores ESG, dado o resultado negativo que más práticas de sustentabilidade podem ter no negócio das empresas. No médio a longo prazo os ratings ESG atribuídos por estas instituições poderão ter um peso semelhante ou ainda maior do que o que observamos atualmente com as notações de crédito, que são seguidas por quase todo o mercado?
Existem muitas dezenas, eventualmente centenas, de entidades que outorgam ratings ESG a ativos financeiros. É um mercado polifónico e pouco auditado que, nos próximos anos, terá que ser alvo de uma intervenção dos reguladores. Mas respondendo à sua pergunta, a tendência é para que as agências de notação financeira integrem riscos ESG em análises de risco de crédito. Faz todo o sentido. Uma empresa tanto é classificável por débitos correntes/capital próprio ou EBITDA quanto por riscos ambientais, sociais ou de governança. Uma companhia com problemas internos laborais, com falta de licenciamento ambiental ou com envolvimento em práticas pouco transparentes é uma empresa mais exposta a riscos que precisam de ser identificados e matematizados. A Moody’s, Standard & Poor’s e Fitch têm comprado agências especializadas em ratings ESG.
Existem vários estudos a apontar que boas políticas de ESG ajudam as empresas e investidores a mitigar o risco e a terem melhor rentabilidade no curto prazo. Se o ESG pode ser mais favorável em temos de rendibilidade porque é que ainda existem empresas e produtos de investimento que não seguem esses critérios? Estão condenados ao fracasso e daqui a uns anos poderão não ter lugar no mercado de capitais?
As empresas estão a ser atingidas por dois grandes maremotos: a inovação tecnológica e a sustentabilidade. A resposta a estes dois fenómenos pressupõe uma transformação gradativa e complexa. Para ser bem feita — com reformas na cultura, nas operações, na estratégia da companhia – são precisos muitos anos. As empresas verdadeiramente sustentáveis são empresas mais ágeis, mais bem lideradas, com acesso a capital mais barato, mais inovadoras e com melhor sistema imunitário perante choques externos. Há estudos académicos que cobrem todas estas categorias. Quem não tiver cartas de marear para navegar nas áreas da inovação e da sustentabilidade estará fora do mercado em 10-20 anos. Ou porque os investidores irão perdendo o interesse nestas empresas, dado o frágil desempenho financeiro e a sua baixa resiliência, ou porque têm problemas de compliance. A regulamentação europeia, a começar já em 2021, fará muita pressão para que as empresas europeias se adaptem à sustentabilidade corporativa.
Como avalia o caminho que as cotadas portuguesas têm feito no que diz respeito à sustentabilidade? Têm dado passos importantes ou ainda aparentam trabalhar mais para o EBITDA do que para os stakeholders e para os investidores que se regem pelos fatores ESG?
As empresas portuguesas de maior porte — como a EDP, Galp, Sonae ou Jerónimo Martins — têm destaque internacional pelas suas práticas e políticas de sustentabilidade. São selecionadas para vários índices como o Dow Jones Sustainability Index ou FTSE4Good Europe. Mas a minha preocupação são as pequenas e médias empresas. Nessa frente ainda estamos na década de 90. Ainda vêm a sustentabilidade como um custo e não como uma oportunidade.
O sistema bancário poderá ser um dos setores essenciais para a revolução nas finanças sustentáveis. Os bancos poderão vir a ter maiores exigências de capital no financiamento de projetos que não sejam verdes. As instituições financeiras portuguesas aparentam estar bem preparadas para responder a este desafio?
A banca portuguesa precisa de acelerar o passo. Eu fiquei fora do país durante quase 20 anos e, ao abrir recentemente uma conta de bancária percebi que a experiência foi idêntica a quando eu era adolescente. Muito papel. Muitas assinaturas. Valorização da proximidade. O mercado nacional das fintechs é praticamente inexistente. Na área da sustentabilidade e ESG eu diria que a banca portuguesa também não se destaca. Existem alguns fundos autodeclarados ESG, algumas linhas de crédito verde, pelo menos um banco tem emitido green bonds, mas ESG não pode ser visto como um produto ou como uma percentagem do portefólio. É um sobretudo um processo, um transformação cultural e organizacional. Só assim é que se consegue gerar valor financeiro. Na cadeira de Sustainable Finance na Nova SBE os meus alunos de mestrado aprendem, com muitos casos, o que significa essa transformação e como realizá-la de forma prática.