A resolução do BES e as injeções de capital no Novo Banco já custaram 7.876 milhões de euros aos contribuintes e o Tribunal de Contas concluiu que no financiamento público a esta instituição financeira não houve uma redução do “risco moral” e “não foi minimizado o impacto na sustentabilidade das finanças públicas”. Na auditoria pedida pelo Parlamento e que foi divulgada esta segunda-feira, o Tribunal de Contas aponta várias deficiências no processo que possibilita as injeções de capital do Fundo de Resolução no Novo Banco. Mas conclui que o financiamento público ajudou a manter a estabilidade financeira. No entanto, deixou recomendações que devem ser seguidas pelas autoridades públicas nos próximos seis meses para salvaguardar o interesse público.
Após os 4.900 mil milhões iniciais colocados pelo Fundo de Resolução aquando da resolução do BES em agosto de 2014, esta entidade já colocou mais 2.976 milhões no Novo Banco ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente (ACC) celebrado entre o Fundo de Resolução (FdR) e a Lone Star para a venda do banco, em outubro de 2017. Esse contrato previa que o Novo Banco pudesse fazer chamadas de capital ao Fundo de Resolução caso sofresse perdas num conjunto de ativos que afetassem os seus rácios de capital. Mas o Tribunal de Contas nota que o “financiamento tem correspondido ao défice de capital do NB (face aos requisitos aplicáveis), resultante da sua atividade geral e não apenas das perdas relativas aos ativos protegidos pelo ACC”.
Falhas na informação e risco de conflito de interesses
No entanto, o Tribunal de Contas concluiu que “não tem sido devidamente cumprida a obrigação de o Novo Banco (NB) reportar a informação sobre a execução do ACC, por falta de formalização do acordo sobre forma e substância do suporte dessa informação e pelo atraso na preparação desse suporte pelo NB (face ao prazo contratual de trinta dias), alegando depender de contas auditadas”.
Para o controlo público do cumprimento do Acordo ser eficaz importa aplicar o princípio da segregação de funções e prevenir riscos de complacência ou de conflito de interesses, assegurando a independência das ações e que o valor a financiar seja apropriadamente demonstrado, verificado e validado, antes de ser pago
auditoria do tribunal de contas
Os valores pedidos pelo Novo Banco têm de ser avaliados e analisados por mecanismos previstos no contrato que incluem a comissão de Acompanhamento, o agente de verificação e a atuação do próprio Fundo de Resolução. Mas, o Tribunal de Contas realça que “para o controlo público do cumprimento do Acordo ser eficaz importa aplicar o princípio da segregação de funções e prevenir riscos de complacência ou de conflito de interesses, assegurando a independência das ações e que o valor a financiar seja apropriadamente demonstrado, verificado e validado, antes de ser pago”. Refere ainda que “não foi apresentada a demonstração do cálculo do défice de capital do NB (valor a financiar), nem evidência sobre a sua verificação integral, que o FdR tem o dever de exigir nos termos do ACC”.
O Tribunal de Contas recomenda ao Fundo de Resolução mais medidas para assegurar que o “valor a financiar é apropriadamente demonstrado, verificado e validado, antes de ser pago”. E sugere a essa entidade e também ao Governo que apliquem “o princípio da segregação de funções” e previnam “riscos de complacência ou de conflito de interesses”.
Falta de transparência sobre o impacto nas contas públicas
Além das falhas no reporte de informação e de mais medidas para prevenir o risco de conflito de interesses, o Tribunal de Contas reitera que as injeções de capital feitas pelo Fundo de Resolução são despesa pública: “O financiamento do Novo Banco pelo Fundo de Resolução (que detém 25% do capital social do NB), ao abrigo do ACC, é público e constitui despesa efetiva (apoio não reembolsável) das Administrações Públicas em contabilidade nacional, sendo incorreto que não o seja em contabilidade pública”.
Faltou transparência na comunicação do impacto da Resolução do Banco Espírito Santo (BES) e da Venda do NB na sustentabilidade das finanças públicas
auditoria do tribubal de contas
A auditoria nota ainda que “faltou transparência na comunicação do impacto da Resolução do Banco Espírito Santo (BES) e da Venda do NB na sustentabilidade das finanças públicas”. O Tribunal de Contas defende que “o foco da imputação das perdas verificadas, no BES e no NB, não deve ser desviado dos seus responsáveis (por ação ou por omissão) para onerar os contribuintes ou os clientes bancários (em regra também contribuintes)” e realça que “importa aplicar os princípios da transparência e da prestação de contas e comunicar periodicamente esse impacto nas finanças públicas e essa imputação de responsabilidades”.
Assim, apesar de considerar que “o financiamento público do NB concorreu para a estabilidade do sistema financeiro, sobretudo por ter sido evitada a liquidação do banco e reduzido o risco sistémico”, o Tribunal de Contas nota que “não foi minimizado o impacto na sustentabilidade das finanças públicas, nem reduzido o risco moral, com 2.976 milhões de euros de despesa pública, que acresce à dos 4.900 milhões de euros de capitalização inicial do NB”. E sublinha que é “ainda possível o dispêndio de mais 914 milhões de euros, ao abrigo do ACC, e do montante necessário à viabilidade do NB, nos termos do compromisso assumido com a CE (até 1,6 mil milhões de euros)”.
Banco de Portugal: Condições para nova injeção estão cumpridas
Poucos minutos depois da auditoria do Tribunal de Contas ter sido divulgada, o Banco de Portugal reagiu às conclusões. Num comunicado, a instituição liderada por Mário Centeno sublinha que “o Tribunal de Contas concluiu que o financiamento público do Novo Banco, através do Acordo de Capitalização Contingente, concorre para a estabilidade do sistema financeiro, sobretudo porque permitiu que fosse evitada a liquidação do banco e que fosse reduzido o risco sistémico”. E afirma que “esta é a conclusão central da auditoria”.
Relativamente às recomendações feitas, o Banco de Portugal defende que grande parte, “nomeadamente aqueles que incidem sobre os pagamentos, já se encontram implementadas”. E diz “no que se refere, em particular, à necessidade de serem apropriadamente demonstrados, verificados e validados os cálculos do capital do Novo Banco, que determinam os valores a pagar pelo Fundo de Resolução, o Banco de Portugal confirma que é competência exclusiva da autoridade de supervisão prudencial – no caso, o Banco Central Europeu, no quadro do Mecanismo Único de Supervisão, em que o Banco de Portugal participa – proceder a essa verificação”.
A convicção plena do Banco de Portugal é, por isso, a de que estão verificadas as exigentes condições para que seja prosseguida a normal execução dos contratos, permitindo-se assim que seja cumprida a sua missão de preservação da estabilidade financeira
comunicado do banco de portugal
E conclui: “A convicção plena do Banco de Portugal é, por isso, a de que estão verificadas as exigentes condições para que seja prosseguida a normal execução dos contratos, permitindo-se assim que seja cumprida a sua missão de preservação da estabilidade financeira”. O supervisor considera, assim, que se cumprem os requisitos para se avançar com nova injeção de capital no Novo Banco. O banco liderado por António Ramalho solicitou 598 milhões de euros, mas o valor final deverá ser mais baixo, já que há uma divergência de cerca de 160 milhões sobre o montante a injetar no Novo Banco.