Durante a entrevista de encerramento da conferência “Portugal em Exame”, Pedro Siza Vieira seguiu a linha de outros membros do Governo e criticou a suspensão de transferências do Orçamento do Estado para o Fundo de Resolução, as dificuldades de comunicação durante a pandemia e os possíveis obstáculos que “bazuca europeia” terá de ultrapassar.
“Neste contexto de tensão social, alguns partidos adotaram uma atitude de debater temas que não são prioritários. Vimos muitas propostas que não correspondem a prioridades e algumas coligações negativas com impacto muito significativo para o futuro do país”, afirmou, notando que esta postura do Parlamento representa um risco para a estabilidade das contas públicas portuguesas.
Questionado diretamente sobre o Novo Banco – o Parlamento aprovou ontem uma proposta que impede a transferência de 476 milhões de euros – o ministro deu a entender que, de uma forma ou de outra, o contrato terá de ser cumprido e a transferência executada.
“Ontem tivemos vários contactos com autoridades europeias e pudemos tranquilizá-las de que Portugal cumpre os compromissos. Não há legislação que seja capaz de por em causa os compromissos contratuais”, avisou. “É isso que diz a nossa Constituição: ao definir o Orçamento do Estado, a Assembleia da República tem de respeitar os compromissos de lei ou contratos anteriores. Foi isso que explicámos às autoridades.”
É isso que diz a nossa Constituição: ao definir o Orçamento do Estado, a Assembleia da República tem de respeitar os compromissos de lei ou contratos anteriores. Foi isso que explicámos às autoridades
Siza Vieira lembrou que ontem, pela primeira vez, os juros das obrigações portuguesas a dez anos mergulharam em terreno negativo, o que “demonstra bem a confiança dos investidores na robustez institucional de Portugal”.
E apontou o argumento que tem sido utilizado por diversas vezes por este Governo, desde os tempos de Mário Centeno: a capacidade de manter essa confiança dos mercados financeiros tem permitido poupanças significativas aos cofres do Estado. “Se começarmos a criar dúvidas nos investidores e entidades de supervisão, podemos correr o risco de ver os juros subir. Mais 1% de juros são 2 ou 3 mil milhões a mais. É importante proteger esta confiança internacional que tão duramente conquistámos na última década e não o precipitar por razões oportunistas ou tentações populistas”, criticou.
Minutos mais tarde, quando lhe foi perguntado sobre como iria o Governo gerir o final das moratórias de crédito e o possível choque no setor financeiro, o governante voltou à carga, dizendo que, embora a banca esteja hoje mais sólida do que há cinco ou seis anos, terão provavelmente de enfrentar as consequências de algumas insolvências. “Por isso é tão incompreensível a decisão de ontem no Parlamento em relação ao Novo Banco. Criar um problema de risco no Novo Banco é tudo o que não precisamos”, disse.
Governo pouco ambicioso?
O ministro da Economia assumiu também algumas dificuldades na comunicação das restrições à circulação, justificando-as com a opção por um confinamento mais flexível. “Neste momento, o Governo português ter optado por não regressar a um confinamento geral, como praticamente todos os outros países da União Europeia o estão a fazer, tem-nos levado a ter alguma dificuldade na explicitação e articulação nas medidas sanitárias, mas julgamos que é possível ter uma contenção moderada, que preserva o trabalho, as aulas e o essencial da atividade comercial e de restauração, com a contenção dos contágios, que já estão a desacelerar”, explicou. “Podíamos ter optado por uma contenção tão violenta como outros países fizeram, como Alemanha, Itália, França, Bélgica, República Checa… Não estamos livres de o fazer, mas não o fizemos e aparentemente as medidas estão a ter algum resultado.”
Uma das críticas recorrentes ao plano do Governo é que ele é pouco ambicioso em comparação com outros países europeus. Os números colocam Portugal na cauda da Europa dos estímulos orçamentais. Siza Vieira responde que a totalidade dos apoios já soma 21 mil milhões de euros, dos quais 2,8 mil milhões são a fundo perdido e que as análises feitas não tomam normalmente em conta o impacto dos fundos comunitários.
“Aquilo que na outra crise levou a uma divergência entre o núcleo da zona euro e os países periféricos foi cada país só ter podido recorrer aos orçamentais nacionais. Desta vez, uma parte significativa dos apoios tem de vir de fundos europeus”, lembra. “Não basta comparar as verbas dos orçamentos. É preciso somar a isso outras verbas de natureza não nacional que também estamos a mobilizar em benefício das empresas portuguesas.”
Para ir apagar um fogo, não construir um quartel de bombeiros. Agora estamos focados em apagar o fogo, sem comprometer o nosso futuro
No entanto, reconhece que o Governo partiu para a resposta à crise com o objetivo claro de não o fazer com medidas estruturais que sobrevivam à pandemia. Apesar de citar algumas necessidades estruturais – despesa com cuidados de saúde primários e respostas melhores para a terceira idade – considera que o essencial da resposta deve ser temporária.
“O que não devemos fazer é dar uma resposta estrutural em cima da crise. Para ir apagar um fogo, não construir um quartel de bombeiros. Agora estamos focados em apagar o fogo, sem comprometer o nosso futuro”, sublinhou. “Os portugueses devem estar muito satisfeitos com a reconquista da nossa credibilidade internacional. Custou-nos muito chegar aqui e não queremos comprometer esse capital de confiança.”